quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A obediência de Maria na Paixão

Passaram-se os anos, Jesus entrou em sua vida pública. Ele disse adeus à sua Mãe e partiu à conquista das almas. Maria fica sozinha, desolada e temerosa, mas sempre obediente e fiel. Isso, porém, não basta. Um dia Deus Lhe diz: “Toma teu Filho único, que tanto amas, e oferece-O a Mim em holocausto” (cfr. Gn 22, 2). No alto sangrento do Calvário ergue-se a Cruz, o altar do sacrifício. Deus falou, é preciso que Jesus, o inocente Filho de Maria, derrame seu sangue pela redenção do mundo. Ah! Desta vez ouviremos subir do Coração de Maria, de seu Coração de Mãe, um grito de revolta? Não. Maria permanece de pé junto à Cruz e, enquanto Jesus geme em amargo pranto, Ela cala-Se, com o coração transpassado de dor, e derrama em silêncio lágrimas de sangue. Inclinando a cabeça, Jesus expira, obedecendo até a morte de cruz, e ao mesmo tempo Maria, obediente e resignada, inclina também sua cabeça sobre seu coração quebrantado.
Ó heróica obediência de nossa Mãe, que exemplo e que lição destes os cristãos de todos os séculos!
Maria desce lentamente os patamares do Calvário, de seu Calvário, e, toda mergulhada em dor, apóia-Se no braço de São João que será doravante seu arrimo, porque Jesus não mais ali estava. E, longe desse Filho tão amado, o coração da Virgem Santa consome-Se em mortais desgostos, mas Ela permanece sempre resignada, sempre submissa à vontade divina.
Logo depois Deus fala novamente a Maria e Lhe dá a conhecer sua última vontade: também Ela deve morrer. Entretanto, Ela é inocente, e sua Imaculada Conceição isentou-A dessa dívida do pecado original que se paga com a morte. Maria não reclama: ouvindo a voz de Deus, obedece sem demora, e a morte vem fazer-Lhe sua visita.
A Virgem Santa fecha docemente os olhos e expira, como seu Divino Filho, obediente até a morte: “Obediens usque ad mortem” (Fl 2, 8).
Imitemos o “Fiat” de Maria Meus irmãos, diante desse corpo mártir da obediência, recolhamo-nos e escutemos a voz que sobe do sepulcro de Maria. Entendeis como Ela proclama o grande preceito da obediência?
Também a nós, cristãos, Deus fala com freqüência, às vezes pelos preceitos, às vezes pelos conselhos, seja diretamente, seja por intermédio de seu anjo, a Santa Igreja. A exemplo de Maria, obedeçamos generosamente, respeitemos a Lei de Deus e a da Igreja, dizendo de todo coração nosso “Fiat”.
Por vezes a Providência nos impõe, a nós também, as privações da Gruta de Belém. Não nos revoltemos, mas ejamos obedientes na pobreza e no sacrifício. Felizes sois vós, ó deserdados deste mundo, que partilhais com vosso Salvador e a Virgem Bendita a penúria de Belém! Resignai-vos e bendizei Jesus, bendizei Maria, que vos associam à sua pobreza!
Mesmo, porém, que não participemos todos do despojamento de Belém, a todos nós Deus ordena ir ao Templo purificar-nos de nossos pecados. Em certos dias, a voz de Deus se mostra mais premente, sobretudo na Páscoa e nas outras grandes festas do ano litúrgico. Ah! se ouvirmos agora a voz de Deus, não endureçamos nosso coração, mas, com humildade e obediência, aproximemo-nos dos sacramentos da salvação.
Reiteradas vezes Deus nos envia seu anjo para nos mandar deixar o pecado, inimigo declarado de nossa alma, e fugir de suas funestas ocasiões. Aí, é necessário “entrarmos no Egito”, isto é, na oração e na penitência, terra de salvação.
Às vezes a vontade de Deus vai ainda mais longe: convida-nos a subir o Calvário e ficar junto da Mãe Dolorosa, aos pés da Cruz. Ali, sobretudo, saibamos obedecer! Choremos com Maria. As lágrimas são muito naturais para não serem abençoadas por Deus. Resignemo-nos e inclinemos nosso coração na adoração e na esperança.
Por fim, um dia Deus nos falará pela última vez e nos enviará o anjo da morte. Não nos revoltemos, mas, com Maria, sejamos corajosos e obedientes, e entreguemos docemente nossa alma nas mãos de nosso Deus: In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum — Em vossas mãos, Senhor, entrego meu espírito. ²
(Publicado originariamente em “L’Ami du Clergé Paroissial”, 1905, pp. 529-530)