terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Visita de Maria a Santa Isabel

Uma inusitada e benéfica forma de se meditar o Mistério da Visitação seria, por exemplo, considerá-lo sob o prisma de duas perfeições que se harmonizavam na alma de Nossa Senhora: a sublimidade e o charme, tomados no mais alto grau em que possam existir numa mera criatura, abaixo do Homem-Deus. A nossa pobre imaginação quase se desnorteia, procurando conceber então os fulgores de charme e sublimidade que se desprenderam no momento do encontro de Maria com sua prima Isabel. Ambas compenetradas da grandiosidade daquela situação, pois, muitíssimo mais do que unidas pelo parentesco, o estavam pela magnitude de suas vocações — uma trazia consigo o Salvador, a outra, o Precursor que Lhe prepararia as veredas de Israel...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Maria, Co-redentora

Ao consentir na dolorosa morte de seu Filho adorável, Nossa Senhora o fez por amor a nós, unindo esse seu tremendo sacrifício aos méritos do holocausto de Cristo, a fim de nos resgatar. Por isso, Ela é chamada Co-redentora do gênero humano. Mais ainda. Por essa cooperação na Paixão de Jesus, Maria Santíssima nos alcançou, junto a Ele, a vida sobrenatural da graça, e se tornou assim verdadeira Mãe de todos os homens.
Ora, se ao coração materno é próprio a bondade, a meiguice, a generosidade, a indulgência, porque se inclina, de modo particular, a essas disposições, o Coração Imaculado de Maria representa esse afeto e essa doçura maternais para conosco, num grau inimaginável. Como bem o frisou São Luís Grignion de Montfort, o amor d’Ela para conosco é incomparavelmente maior que a soma do amor de todas as mães do mundo por um único filho. E cumpre dizer: Nossa Senhora ama com solicitude especial os justos, mas possui igualmente um carinho terníssimo para com os pecadores, conforme atesta a tocante oração do “Lembrai-Vos...”.
Nossa Senhora é, pois, a Mãe que aceitou sacrificar o próprio Filho por nós. Por todos e cada um de nós!

domingo, 29 de janeiro de 2012

Maria, estrela da manhã

A estrela da manhã aparece no período incerto entre a noite que ainda existe, e o dia que timidamente vai nascendo. Não é bem essa a época em que vivemos, onde imperam as trevas do mal, porém na qual já se pressente o triunfo do Imaculado Coração de Maria, prometido por Nossa Senhora em Fátima?
Portanto, é a Maria como “Estrela da Manhã”, anunciando-nos como iminente a aurora de seu Reino, que devemos recorrer nas dificuldades de nosso apostolado, e em todas as ocasiões em que a piedade nos sugira essa invocação:
“Estrela da Manhã, Vós que fostes, durante a noite inteira da espera, a nossa luz e a promessa do alvorecer, fazei com que desponte quanto antes o dia de vosso Reino!”

sábado, 28 de janeiro de 2012

As promessas divinas se realizam em meio a aparentes desmentidos

Com a Anunciação, foi comunicada a Nossa Senhora, e através d’Ela a todo o gênero humano, a Encarnação do Verbo. Com o seu “Sim!”, o Verbo se fez carne e habitou entre nós.
No dia da Anunciação, a Palavra de Deus raiou num amanhecer de alma repleto de louçania, com promessas superlativas.
Mas se as promessas de Deus suscitam as mais alegres esperanças, elas soem passar também por aparentes e terríveis desmentidos. É o modo de agir da Providência.
Nesse sentido, a Anunciação foi também a proclamação de que a autêntica glória não consiste em não sofrer humilhações e derrotas, mas, sim, em lutar pela Verdade.
A alma santíssima de Nossa Senhora, habituando-se às promessas, às alegrias e aos desmentidos, constitui para os católicos o sublime exemplo de submissão à vontade de Deus, manifestada por Ela, de modo inigualável, no humilde “fiat” que ecoou por toda a sua vida.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Fuga para o Egito

Em geral, as pinturas e esculturas que representam a Fuga para o Egito mostram Nossa Senhora montada num burrico, trazendo aos braços, com uma imensidade de carinho, cuidado e respeito, o Menino Jesus. À frente ou ao lado d’Eles, caminha São José. Sendo o membro mais forte da Sagrada Família, competem-lhe, explicavelmente, os maiores incômodos e cansaços da viagem.
Fadiga que o castíssimo esposo de Maria aceitava com sublime disposição de alma, pois sabia que devia cercar Nossa Senhora de todo o conforto possível: era Ela quem levava o adorável pequeno peso, aquele corpo divino que um dia seria suspenso nos braços implacáveis da Cruz...

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Para Vos glorificar, ó Mãe!

Sabemos, ó Mãe boníssima, não sermos dignos de nos aproximar de vosso Filho Divino, posto o incomensurável abismo de indignidade que d’Ele nos separa. Porém, maiores do que esse abismo, ó Mãe, são a vossa misericórdia e o vosso amor por todos e cada um dos filhos que tendes sobre a face da Terra, e em especial pelos batalhadores do bom combate que, desde há muito, desejastes lutassem por Vós e vosso adorável Filho nos dias amargos em que vivemos.
Assim, Mãe Santíssima, vida, doçura e esperança nossa, rogamo-Vos: que a vossa misericórdia preencha esses abismos e faça descer até nós a plenitude da clemência de Cristo Jesus; que a vossa onipotente intercessão nos alcance a perfeição moral, a integridade de doação e o inteiro cumprimento de nossa missão — para, desse modo, Vos rendermos a excelsa glória que tanto vos devemos!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Mãe de Deus e nossa

Nossa Senhora é incomparavelmente melhor do que todas as mães da Terra. Ela nos ama e é muito mais nossa verdadeira Mãe do que aquela que nos trouxe ao mundo. Ora, sabemos até onde nossa mãe seria capaz de ir para nos proporcionar um benefício. Do que, então, será capaz Nossa Senhora? “Se, pois, cada filho tem para com sua mãe terrena um carinho peculiar, devemos cada um de nós amar Nossa Senhora de maneira inteiramente própria, especial e inconfundível. Ela, por sua vez, terá para conosco uma ternura particular, que pousará sobre cada um de nós, como se só nós existíssemos na face da Terra.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Duas categorias de tentações

As tentações podem ser classificadas pelo menos em duas categorias. Umas são tentações-castigos; outras serão apenas provações e até estímulos para progredirmos na vida espiritual.
Esse ponto merece insistência, pois não é raro ouvirmos queixas como estas: “Ando tão mal que me sinto tentado a querer tal coisa péssima”. Ou: “A tentação é um castigo para os que não se comportam bem, e Deus me puniu com uma. Se estou tentado, é porque fiz alguma coisa errada”.
Importa compreender que esse raciocínio não se aplica a todos os casos de tentação.
Certo, quando alguém se deixa levar por determinada atitude espiritual ruim, abre o flanco para a investida do demônio. O próprio São Francisco Xavier nos cita exemplos dessas perigosas disposições de alma. Ele adverte as pessoas que não se dedicam nos serviços a elas confiados e que arrastam a obrigação preguiçosamente. Essa preguiça já constitui uma meia guarda desamparada para que o inimigo se apresente e as incite a abandonar o dever. Risco análogo corre o religioso que cumpre uma obediência cheio de cismas e de ressalvas interiores, mais ou menos arbitrárias. É óbvio que, de um momento para outro, será tentado pelo demônio a não seguir as ordens de seu superior. Em ambos os casos, a tentação pode ser vista como um castigo pela má predisposição de espírito dessas pessoas.
Contudo, muitas vezes é outra a razão de sermos tentados. Vamos muito bem na vida espiritual, e por isso mesmo Deus permite travarmos um combate com o adversário d’Ele, para que vençamos e alcancemos um incremento de glórias na nossa piedade.
Motivo para confiar em Deus
Em outras ocasiões, verificar-se-á o fato de não estarmos num bom momento espiritual, e Deus então dispõe que sejamos tentados para que a luta nos estimule a melhorar. Assim, muitas tentações são permitidas por Ele, pois constituem um verdadeiro tônico para os necessitados de incentivo.
Mais ainda. Na vida espiritual, o perigo consiste, não tanto em ser tentado, mas em não sofrer os ataques do demônio. Com efeito, não é sinal favorável que uma pessoa passe anos sem tentações, pois provavelmente será do número daquelas almas às quais o demônio logrou paralisar no caminho da perfeição. Elas se deixaram cair na modorra, na indolência e mediocridade, embora conservem um resto de consciência de seu estado lamentável: se forem tentadas, começam a se erguer e a reagir. Por isso o demônio não as provoca, para que continuem a se decompor de modo imperceptível ao longo dos tempos.
Por tudo quanto foi dito, vê-se que este raciocínio: “Estou tentado; logo, vou mal espiritualmente e estou sendo castigado”— é uma imensa simplificação, e mutila o panorama da nossa vida de piedade. Até mesmo para alguém que sofre tentações porque abriu o flanco ao demônio, a reação contra elas pode colocá-lo numa posição melhor do que antes das investidas diabólicas, humilhando e rechaçando o seu inimigo.
A tentação não nos deve, pois, levar ao desânimo ou ao semi-pânico, mas  a um aumento de nossa confiança em Deus. Ainda que tenhamos sido culpados e, portanto, tentados por castigo, Deus continua sendo nosso Pai, e Maria Santíssima, nossa Mãe. Ela é o Refúgio dos Pecadores: qualquer um que tenha cometido uma falta e se refugie junto a Ela, recebe sua materna proteção, seu infalível auxílio e incansável assistência.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A oração da confiança

“Lembrai-Vos”, essa tocante oração é atribuída a São Bernardo de Claraval, o Doutor Melífluo. Diz ela:
Lembrai-Vos ó Piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado vossa assistência e reclamado o vosso socorro fosse por Vós desamparado.”
Como se vê, nessa prece se fala de proteção, assistência e socorro. Proteção para evitar que cedamos às tentações; assistência, ou seja, auxílio em nossas dificuldades; socorro, quando estivermos periclitando e afundando. Pois bem, nunca alguém que tenha pedido a Ela socorro, assistência e proteção, foi desamparado. Cumpre salientar que a palavra “nunca” é muito categórica: não houve um só caso de alguém que recorreu a Nossa Senhora e não foi atendido.
Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho.”
Quer dizer, “se Vós jamais deixastes de proteger alguém, aqui estou eu, homem batizado na Igreja Católica e filho vosso, que venho Vos pedir auxílio. Estou tentado, tive culpa na causa da tentação e, lamentavelmente, até cedi a ela. Mas, eu existo e vossa clemência me mantém nesta vida. Estando vivo, tenho o direito e o dever de Vos dirigir essa oração. Por isso me apresento diante de Vós, cheio de confiança.”
“E gemendo sob o peso dos meus pecados me prostro a vossos pés.”
Note-se como essa expressão é animadora. Não está dito: “Eu, o inocente, o puro, o límpido, o homem sem mancha me dirijo a Vós e peço socorro. A minha inocência me dá garantias de vosso auxílio”. Não. Afirma-se o contrário: “Gemendo sob o peso dos meus pecados...”
Ou seja, tantas são as faltas cometidas que até me prostraram no chão. Acho-me deitado sob o peso delas. E, no solo, eles me oprimem de tal forma que me arrancam gemidos. Pois bem, amargando a dor dos meus pecados, eu venho para junto de Vós e me arrojo aos vossos pés.”
Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado, mas dignai-Vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que Vos rogo. Assim seja.”
O pensamento não podia ser mais belo. O pecador pede à Santíssima Virgem que o ouça com benignidade, com bondade, pois espera da parte d’Ela um sorriso, e que lhe alcance a graça implorada.
É a oração da confiança. Qualquer alma, em qualquer estado ou situação em que se encontre, sobretudo nas tentações e na tibieza, deve se voltar para Nossa Senhora e dizer: “Rogo-Vos a vossa assistência; tende pena de mim e auxiliai-me”. E o raciocínio que justifica essa confiança é simplíssimo:
“Vós nunca abandonastes alguém. Ora, eu sou alguém. Logo, Vós não me abandonareis”. Não podia ser mais lógico, mais concludente, mais convincente, mais singelo na sua esquematização e mais irresistível. Um raciocínio expresso numa linguagem de fogo e muito bela, como é a de São Bernardo, mas encerrando um verdadeiro conteúdo teológico: “Nossa Senhora é Mãe de cada homem; portanto, não me abandonará”.
São Francisco Xavier nos deixa claro que a alma tentada deve, mais do que tudo, confiar, rezar e não ter medo. E não só nas horas das tentações, mas em todas as dificuldades, grandes ou pequenas, da vida espiritual ou da nossa existência quotidiana, devemos sempre cultivar essa firme confiança no auxílio de Maria Santíssima, nossa Mãe e onipotente intercessora junto ao Sagrado Coração de Jesus.

domingo, 22 de janeiro de 2012

O arqui-vitral

Se os maravilhosos vitrais das catedrais góticas tanto nos deixam enlevados e admirados, incomparavelmente mais nos deve arrebatar o arqui-vitral, o vitral inimaginável, o primeiro, que é o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, concebido sem pecado original e através do qual reluz, inteiro, o divino Sol de Justiça!
Pela Santíssima Virgem, cheia de graça, passam todos os dons de Deus, iluminando-a de fulgores e cintilações inexcedíveis. Ela é, na verdade, o esplendoroso vitral que filtra para os homens este convite: Vinde, subi, penetrai em mim, e eu vos mostrarei outros horizontes e vos levarei para outros céus. Não aqueles que o olhar procura, mas os céus e horizontes que Deus revela aos eleitos de sua misericórdia...

sábado, 21 de janeiro de 2012

Oração

Se desconfiamos que não somos capazes de rezar bastante, por que não recorrer às orações de outrem? Mas, estas práticas devem constituir uma rotina, sobretudo quando se está em perigo, em situações difíceis, mas também quando se está em situações boas. Não há recurso melhor do que recorrer às orações de uma religiosa, para ter uma alma que carregue a cruz conosco, e nos ajude a levar aquilo que pesa demais para nós.
Mas a melhor pessoa para rezar por nós, já sabemos, é Nossa Senhora. Devemos pedir muito à Santíssima Virgem. O alfa e o ômega de tudo isso é a oração dEla e a oração a Ela. Nossa Senhora nos concederá tudo de que temos necessidade.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Preparar o espírito, antes da oração

E como fazer para adquirir o valioso hábito da oração?
Antes de rezarmos é preciso preparar o espírito, colocando-o diante das verdades que fazem com que nossa prece tenha alimento, do contrário será completamente mecanizada.
Então, um ponto de nosso exame de consciência seria preguntar se preparamos o nosso espírito para a oração, considerando os motivos pelos quais se reza bem. Por exemplo, tendo presente que Deus sabe como nos modificar e tem a força para fazê-lo. Que Ele nos transformará, desde que peçamos. E que a condição para o nosso pedido ser atendido é a importunidade, virtude evangélica tão recomendada por Nosso Senhor:
Se algum de vós tiver um amigo, e for ter com ele à meia-noite e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, porque um meu amigo acaba de chegar à minha casa de viagem e não tenho nada que lhe dar; e ele, respondendo lá de dentro, disser: Não me sejas importuno, a porta já está fechada, os meus filhos estão deitados comigo; não me posso levantar para te dar coisa alguma. Se o outro perseverar em bater, digo- vos que, ainda que ele se não levantasse a dar-lhos, por ser amigo, certamente pela sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães precisar (Lc 11,5-8).
Esta é a imagem d’Ele mesmo, querendo ser importunado e pedindo de nós, não o que alguns dizem: “reze pouco, mas reze bem”, mas o contrário: “reze como puder e reze muito, seja maçante, reclame, e se Deus demorar em atender, peça ainda mais, porque Ele acabará atendendo com uma generosidade maior!”

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Divino artifício de bondade

Ao destinar, desde toda a eternidade, a Virgem Santíssima para Mãe dEle e de todos os homens, Nosso Senhor como que usou de um sublime artifício para aumentar ainda mais, se fosse possível, a sua infinita misericórdia em relação a nós.
Com efeito, existindo nEle um equilíbrio absoluto entre a bondade e a justiça, Jesus gostaria entretanto de levar mais longe aquela do que leva esta. Então o fez através de Maria, cujo amor materno é um extremo e um requinte insuperáveis do próprio amor de Deus para com seus filhos, e cuja benevolência ultrapassa todos os auges de medida que o coração humano possa conceber.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Admiração e adoração

Como é belo imaginar Nosso Senhor Jesus Cristo meditando. Seu olhar absorvido, enlevado e contemplativo, sozinho no deserto, durante quarenta dias de jejum. Gostaria de imaginá-Lo junto de uma pedra, no deserto árido, ou com uma vegetaçãozinha ordinária e muito rasteira, que seria o contrário da sublimidade da cena. Ou com uma bonita areia que se estende ao longe. No fundo, um pôr-do-sol em brasa e seu divino perfil se recortando sobre ele... Jesus meditando e orando. Portanto, sua natureza humana, por assim dizer, fazendo filosofia e teologia. Como é que seria a sua expressão fisionômica nessas ocasiões?
Se Ele já se tinha deleitado na contemplação do universo, quanto mais se deleitaria na contemplação daquilo que é mais do que todo o universo, Nossa Senhora! Gostaria de imaginá-Lo, então, na sua Humanidade e na sua Divindade juntas, olhando para dentro dos olhos de Nossa Senhora. Ela, enlevadíssima, num êxtase altíssimo. E Ele, enquanto Deus, pensando: “A minha obra-prima!”; e enquanto Filho e Homem pensando: “Minha Mãe! Que perfeição!”
O que um de nós daria para estar do lado de fora da porta e olhar pelo buraco da fechadura? Se nos exigissem como preço disso fazer qualquer sacrifício depois, nós faríamos. Morrer depois, não nos importaria! Ter visto essa cena e morrer... para que viver mais? E, de fato, me pergunto: haveria ânimo para viver, depois de ter visto isso? De que adiantaria, por exemplo, depois disso ver a beleza do mar? Eu gosto tanto do mar, mas depois de ter visto Maria, o que é ver o mar?...

domingo, 15 de janeiro de 2012

Inefável Sorriso

O Divino Mestre nos convida a segui-Lo no caminho do Calvário, carregando nossa cruz. Caminho de lutas, de deveres e trabalhos por amor a Deus. Porém, para o fazermos, cumpre que O sigamos passo a passo, pondo nossos pés onde Jesus pôs os d’Ele, ou seja, na mais estreita e íntima união com o Redentor.
E tal só alcançaremos se, ao longo desse caminho, para auxiliar a nossa fraqueza, consolar os nossos corações, sentirmos que sobre nós paira aquilo que há de mais doce no Céu e na Terra, depois da clemência do próprio Deus — o sorriso inefável de Maria Santíssima.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Maria... fora de comparação!

Sendo Deus “Aquele que é”, nunca se passou nada que, de longe, pudesse ser tão importante como a Encarnação do Verbo. Este é um fato relacionado com a própria natureza divina, e tudo que diz respeito a Deus é incomparavelmente mais importante do que tudo que diga respeito ao homem. A Encarnação de Deus a tudo transcende em importância.
Por este motivo, o papel de Nossa Senhora na Encarnação situa bem o papel d’Ela em todos os planos divinos, e precisamente no que eles têm de mais importante e de mais fundamental.
Achamos admirável, por exemplo, Nosso Senhor ter escolhido Constantino para tirar a Igreja das catacumbas. Mas o que é isto, perto de ter escolhido Nossa Senhora para n’Ela ser gerado? Absolutamente nada! Admiramos muito o Pe. Anchieta, porque ele evangelizou o Brasil. Mas o que é evangelizar um país, em comparação com o cooperar na Encarnação do Verbo? Nada!
Digamos que se tratasse de salvar o mundo de sua crise atual e de restabelecer o reino de Cristo, e suponhamos que Nosso Senhor escolhesse um só homem para esta tarefa. Nós acharíamos esta missão algo de formidável, e com razão. Mas, o que seria isto em comparação com a missão de Nossa Senhora? Nada!
Ela situa-se num plano que está fora de comparação com a missão histórica de qualquer homem. A respeito de Nossa Senhora é-se sempre obrigado a repetir a expressão: “fora de comparação”, porque Ela faz estalar todo o vocabulário humano. Há uma tal desproporção entre Ela e todas as demais criaturas, que a única coisa segura que se pode dizer é que é “fora de comparação”...

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Soberana intercessora

No alto do Calvário, Maria teve presente a vida de todos os homens que passaram e passariam sobre a Terra, até o fim dos tempos. Ela conheceu as virtudes de cada um, assim como seus lamentáveis pecados. E a cada um amou, por todos rezou, e para todos alcançou o perdão de seu Divino Filho, que acabara de ser imolado na Cruz. Mais do que nunca, com o Redentor exânime em seus braços, Ela era a nossa soberana intercessora, a incansável medianeira que jamais abandonou e jamais abandonará qualquer homem.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Divina fecundidade

Quando, através de seu humilde “fiat”, a Virgem Santíssima consentiu na Encarnação do Verbo, a Ela foi comunicada a fecundidade do Padre Eterno. Quer isto dizer que a capacidade concedida a Maria de gerar o Filho divino é quase uma participação no próprio poder criador de Deus. Ora, tornar-se digna de privilégio tão augusto supõe uma riqueza de vida espiritual inimaginável, uma elevação de virtudes e uma intimidade de alma com Deus que excede à nossa limitada inteligência. Na medida em que uma simples criatura podia receber aquela fecundidade, Nossa Senhora a recebeu, plenamente.
Compreende-se, pois, como na ordem da criação nada haja, nem de longe, comparável a Maria, Mãe de Jesus.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Lourdes e a sublimidade do milagre

Milagres, sempre os houve durante os vinte séculos de História da Igreja, manifestando ao mundo a infinita misericórdia divina. Entretanto, adquiriram eles uma extraordinária frequência, tornando-se abundantes e até comuns, a partir do momento em que, na gruta de Massabielle, em Lourdes, cidade localizada na vertente francesa dos Pirineus, apareceu Nossa Senhora a Santa Bernadete Soubirous, e disse: “Eu sou a Imaculada Conceição”.
Havia apenas 4 anos, o Papa Pio IX definira solenemente a verdade de Fé segundo a qual Maria Santíssima foi concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser. Conquanto fosse esse dogma duramente atacado pelos inimigos da Igreja, [o hoje Beato] Pio IX, com uma coragem de anjo, proclamou-o a todos os homens. E não tardou para que Nossa Senhora ratificasse a sentença pontifícia, revelando-se a uma humilde jovem de Lourdes como sendo a Virgem sem mancha.
Triunfo de Maria sobre a impiedade
Foi essa uma das mais extraordinárias manifestações da luta de Nossa Senhora contra o demônio. Com efeito, a aparição se deu no auge das perseguições e ridiculizações movidas pelo anticlericalismo do século XIX contra a Igreja, com o intuito de enfraquecê-la. Eram incontáveis os católicos que, acovardados pelo respeito humano, fingiam não ter mais fé, e poucos professavam abertamente a religião. Os não-praticantes pediam provas de sua veracidade.
Nessas circunstâncias Nossa Senhora apareceu, e teve início a espantosa série dos milagres de Lourdes, concedidos com a solicitude e magnanimidade maternais da melhor de todas as mães. Das rochas de Massabielle passou a jorrar um curso de água ainda inexistente. Os doentes, que pensam em tudo para aliviar as suas dores, puseram-se logo a se banhar nessas águas e — oh maravilha! — começaram a curar-se em número surpreendente.
Não querendo dar a mão à palmatória, os ímpios logo ergueram a voz, afirmando ser impossível tratar-se de doenças autênticas; em consequência, as curas também não o eram. Não podiam reconhecer os milagres, porque isto os esmagaria.
A fim de eliminar quaisquer dúvidas e fazer triunfar a insondável bondade de Maria Santíssima, a Igreja instituiu um consultório médico especial, com todos os recursos mais modernos que a ciência possuía, a fim de analisar e comprovar as enfermidades antes de os doentes se banharem. Estes, munidos do atestado, entravam nas águas e pouco depois saíam — várias vezes, nem sempre — cantando as glórias de Nossa Senhora, por terem obtido a cura. Os médicos faziam novo exame e, com frequência, concluíam pelo milagre. No decorrer dos meses e dos anos, as curas foram se multiplicando, e a piedade católica constituiu todo um dossiê sobre essa manifestação maravilhosa da compaixão de Deus para com os homens.
Como os maus não se cansam de sua maldade, um ímpio, escritor famoso da França daqueles tempos, foi a Lourdes com a intenção de colher dados e informações para um livro contra os prodígios anunciados. Viajou incógnito, passeou pela gruta, observou tudo o que desejou, e depois... fugiu! De volta a Paris, confessou aos seus íntimos: “Eu não fiquei; fugi, porque o milagre me esmagava!”
Sublimidade do milagre
Os milagres de Lourdes continuaram e continuam. Até hoje, o sobrenatural ali demonstra sua existência claramente, de viseira erguida, e o amor da Mãe de Deus se expande sobre os homens de todas as nações, de todas as línguas e, em certo sentido, de todas as religiões. Porque há curas de não-católicos em Lourdes, a maioria dos quais se converte.
O trágico e magnífico espetáculo de Lourdes... Aqueles doentes que chegam, conduzidos pelos brancardiers (carregadores de macas), deixam-se examinar pelos médicos para depois se dirigirem aos banhos na gruta. É todo o drama da dor humana diante da doença, fruto do pecado original, que ali se desenrola. Pessoas debilitadas pelo mal que as aflige, tendo passado pelos incômodos de uma viagem mais ou menos longa, conforme o lugar de onde saíram, vão pedir a Nossa Senhora o milagre tão almejado. E multidões de pessoas sãs estão ao lado delas, assistindo àquele desfile de sofrimento, cantando e rezando para que os doentes sarem, durante a Missa, a bênção com o Santíssimo Sacramento e a tocante e maravilhosa procissão das velas...
Imagine-se o que representou para um doente partir da África do Sul ou da ilha do Ceilão, da Patagônia ou do Alasca, para estar algumas horas em Lourdes. Às vezes são pobres — que gastam nessa viagem os últimos recursos financeiros de que dispõem, com a esperança da cura — que vêm... ou que não vêm. Não raro, a cura ocorre no caminho de volta para casa. De repente, quando nada mais se espera, um grito jubiloso: “Estou curado!”
Todas essas circunstâncias, aspectos e acontecimentos se revestem de uma sublimidade peculiar, sobrenatural, sacral, diante da qual nossa língua emudece. É a sublimidade do milagre.
Testamento espiritual de Santa Bernadete
Não se pode falar de Lourdes sem lembrar a personagem ligada de modo indissociável a essa história de bênçãos e misericórdias. A modesta pastorinha a quem Nossa Senhora apareceu é o primeiro milagre de Lourdes: milagre da graça, milagre da santidade. Por isso a Igreja a elevou às honras dos altares como Santa Bernadete Soubirous.
Antes de partir deste mundo para as glórias da bem-aventurança eterna, a vidente deixou seu testamento espiritual, uma comovedora prece de ação de graças em que ela, ao invés de se mostrar reconhecida pelos insignes favores de que foi objeto, louva Nossa Senhora e seu Divino Filho por tudo o que lhe representou sofrimento e carência nesta vida:
 “Pelas zombarias recebidas, pelas injúrias e pelos ultrajes da parte dos que me mandaram prender como doida, pela cólera que tiveram contra mim, tomando-me como interesseira. Pela ortografia que eu jamais consegui aprender, pela memória que eu jamais tive, pela minha ignorância, graças vos dou, Senhora. Graças, porque se houvesse sobre a terra uma menina mais ignorante e mais estúpida do que eu, Vós a teríeis escolhido para lhe aparecer.
“Graças, ó Jesus, por ter dessedentado com amarguras esse coração por demais frágil que me destes! Por Madre Josefina, que disse de mim: não serve para nada... Pelos sarcasmos da madre mestra de noviças, pela sua voz dura, pelas injustiças, pelas ironias, pelo pão da humilhação, muito obrigada. Graças por ter sido a Bernadete ameaçada de prisão porque tinha visto a Virgem Maria, olhada pelas pessoas como um raro animal, aquela Bernadete tão mesquinha que, ao vê-la, diziam: É essa?
“Pela minha doença, pelas minhas carnes em putrefação, pelos meus ossos com cáries, pelos meus suores, pela minha febre, pelas minhas dores surdas e agudas, graças ó meu Deus! E por essa ânsia que Vós me destes para o deserto da aridez interior, pelos vossos silêncios, mais uma vez por tudo, por Vós ausente e presente, graças, ó Jesus!”
O holocausto do puro amor desinteressado
É uma oração verdadeiramente heróica, de um heroísmo que sobressai da seguinte situação: a Santa Bernadete foi concedida a graça incomparável de ser a vidente a quem Nossa Senhora apareceu, a ela foi indicado o local onde brotariam as águas que operariam as curas milagrosas. Portanto, a partir das revelações feitas a ela, Maria Santíssima inaugurou uma série de maravilhas e de benefícios incalculáveis para os corpos e para as almas dos homens da terra inteira. Além disso, a devoção à Mãe de Deus conheceu um novo e precioso crescimento sob a invocação de Nossa Senhora de Lourdes.
Assim, ela, a pequena, a miserável, a mesquinha; ela, nula, plebeia, pobre; ela, a tonta e ignorante Bernadete, foi o arco pelo qual quis entrar esse raio de sol no mundo contemporâneo, e mais especialmente no mundo do século dela, tão orgulhoso, tão cheio de revolta e de incredulidade. Para tudo isso, foi escolhida essa pessoa tão insignificante.
Santa Bernadete poderia fazer um raciocínio diferente: “Meu Deus, Vós me destes esses ossos cariados, essa carne putrefata, me destes toda essa miséria e essas contrariedades. Em compensação, porém, me concedestes a grande vantagem de ser a Bernadete escolhida por Vós para iluminar o mundo inteiro. Então, eu aceito de boa vontade tudo o que me destes de triste, de ruim, como ação de graças por aquilo que me destes de bom. Amém.”
Seria um pensamento legítimo. Mas, ela era uma santa, e por isso, diante da conduta da Providência em face dela, levou sua atitude de alma até o limite da sublimidade. Mediu sua personalidade, seus recursos mentais, sua saúde física, e percebeu que não valia nada. Era apenas uma pessoa muito equilibrada, nascida numa família pobre, menosprezada por todos. E ela aceitou heroicamente sua nulidade, para que inúmeras almas fossem salvas e a Igreja Católica reluzisse de maior glória.
Ela compreendeu bem que não teve apenas aparições, mas recebeu também uma cruz, mais preciosa do que as próprias visões de Nossa Senhora. E ter aceito de modo perfeito a cruz, levando-a até o fim com amor, com entusiasmo pelo sofrimento, por tudo quanto a dor significa no plano sobrenatural — isto fez dela uma santa.
Vemos, então, uma pessoa que reconhece não ser nada, e que transforma esse nada numa hóstia para oferecer a Nosso Senhor, dizendo:
“Meu Deus, enquanto todos perdem a alma para ser alguma coisa, enquanto aqueles que Vós sobrecarregastes de dons os dilapidam de modo miserável, eu, a quem Vós fizestes nada, agradeço-Vos esse nada. Peço-Vos que, para vossa glória, aceiteis minha conformidade com esse nada. Sei que sou o rebotalho do mundo, sei que sou o asco da terra, sei que ninguém quer saber de mim, mas sei que para Vós, ó meu Deus — três vezes santo, perfeito, eterno, imutável, onisciente, misericordioso — para Vós, dentro de meu nada eu sou muito. Sou tanto que por mim Vós vos teríeis encarnado, e Vós teríeis sofrido o tormento da Cruz. Vós, sim, me amais. E se Vós amais esse nada, aceitai esse nada. Ele vale pelo amor que Vós lhe tendes. Aceitai esse nada e aceitai-o por aqueles a quem Vós destes tanto. Aqueles que receberam de Vós os dons que eu não recebi, utilizem-nos segundo vossos desígnios, eu vos ofereço, meu Deus, eu vos agradeço os dons que não recebi”.
Isso é levar o desinteresse até o sublime. É o holocausto completo, o puro amor a Deus, sem preocupação por si. É o modelo que a Providência nos propõe para que tenhamos uma vida espiritual norteada, mais do que pelo desejo do Céu, pela graça de amar e adorar desinteressadamente o Senhor do Céu e da Terra.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Maria, Flor dos vales

Em sua infinita benevolência, Deus adornou certos vales com uma doçura especial, cuja amenidade e poesia contrastam com a majestade e o agreste das montanhas que os circundam. Neles, a prodigalidade divina dispôs que as flores se apresentassem com rara e envolvente beleza, superando em formosura as que nascem noutras paragens. É com inteira propriedade, portanto, que a Igreja canta os excelsos predicados de Maria Santíssima, louvando-a como a “Flor dos vales”: quer dizer, o requinte daquilo que há de mais delicado, mais terno, mais esplêndido; o ápice que concentra em si toda a beleza da Criação.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Escravidão de amor a Nossa Senhora

Continuação do post anterior

Em seu “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem”, São Luís Grignion estabelece vários princípios que justificam a nossa consagração a Ela como escravos de amor.
Medianeira desejada pela Providência
O mais importante deles é a mediação universal de Nossa Senhora. Ou seja, o fato de que Ela é a medianeira entre Deus e os homens para a obtenção e a distribuição de todos os dons divinos que pedimos ao Céu.
De tal modo essa intercessão de Maria é querida pela Providência que — ensinam os teólogos — nada do que os fiéis pedem a Deus seria alcançado, se a Santíssima Virgem não rogasse também por eles. Pelo contrário, se Ela sozinha fizer a mesma oração em seu favor, será atendida.
Compreende-se. Escolhida para ser a mãe do Verbo encarnado, sempre imaculada e cheia de graça, a união que Nossa Senhora tem com Jesus é a mais alta que uma simples criatura humana pode ter com Deus. Em virtude desse vínculo extraordinário, Nosso Senhor nada recusa à sua Mãe, o que faz d’Ela uma intercessora onipotente junto a Ele. Esse é o princípio ensinado por São Luís Grignion e reconhecido pela Igreja.
Passemos a outro ponto.
Co-redentora do género humano
Quando foi decidido pelo Pai Eterno que Jesus Cristo deveria morrer para expiar nossos pecados, quis Ele ter o consentimento da Santíssima Virgem, o que representou para Ela um golpe espantoso.
Pensemos em nossas mães. Se alguém lhes dissesse: “Quer me dar seu filho, para que ele sofra blasfêmias, seja ridicularizado, perseguido, preso, entregue ao desprezo e ao ódio do povo, flagelado, coroado de espinhos, obrigado a carregar sua cruz até o Calvário e morra de modo atroz?” — nenhuma delas cederia o filho! Não há mãe que queira isso para aquele que ela trouxe ao mundo.
Porém, Nossa Senhora sabia ser necessário esse holocausto para a redenção do gênero humano. Ela deu seu consentimento, e com isso sofreu uma dor intensíssima, como se um gládio Lhe transpassasse o coração. Daí vem a devoção a Nossa Senhora das Dores, e a imagem d’Ela com o coração aparente, atravessado por uma espada. É uma evocação do sacrifício que Ela fez.
Nos seus eternos desígnios, Deus quis que esse padecimento de Maria fosse unido ao de Nosso Senhor para resgatar os homens, e por essa razão Ela é chamada pela Igreja de Co-redentora do gênero humano.
Nossa Senhora é nossa arqui-mãe
Em consequência dessa participação de Nossa Senhora na redenção do mundo, podemos dizer, com inteira propriedade, que Ela é nossa mãe: sem o auxílio e o consentimento d’Ela, não teríamos nascido para o Céu e para a vida da graça. Ela aceitou e quis o sacrifício de seu Divino Filho por todos e cada um dos homens, até o fim dos tempos, e é, portanto, mãe de todos e cada um de nós.
Mãe a um título mais alto que simplesmente o de mãe natural, posto ser mais alta a vida sobrenatural para a qual Ela nos gerou. Em certo sentido, Ela é a nossa arqui-Mãe, a Mãe das mães. E tem, então, para conosco, uma tal misericórdia, que São Luís Grignion de Montfort não hesita em afirmar que Maria ama cada um em particular mais que todas as mães somadas amariam seu filho único. Daí, diga-se de passagem, a entranhada confiança que devemos depositar na clemência d’Ela.
É louvável que nos consagremos a Nossa Senhora
Ora, se Nossa Senhora nos deu de tal maneira seu sacrifício, sua alma, se Ela nos amou a tal ponto, se é tão autenticamente nossa mãe, se Ela nos ofereceu seu Filho, o Filho de Deus, se O imolou por nós, se nos cumulou de tantos bens, é justo e louvável que nos consagremos a Ela por completo. Eis a tese de São Luís Grignion.
Pertencemos a Ela, de direito, pelo que Ela fez por nós. O santo autor diz muito bem que, quando um rei (ele se referia aos monarcas absolutistas) conquista um povo, torna-se senhor desse povo.
Nossa Senhora nos comprou e nos conquistou por seu sacrifício, e por isso Lhe pertencemos. Mas, como somos seres inteligentes e livres, é preciso que, por uma deliberação nossa, nos entreguemos a Ela. Com nosso consentimento, essa união se torna completa.
De fato, não pode haver dom mais proporcionado ao que Nossa Senhora nos fez, do que a doação de nós mesmos a Ela, como seus devotíssimos escravos. Quer dizer, a escravidão de amor à Santíssima Virgem Maria como Mãe de Deus, como nossa Co-redentora e nosso celestial amparo.
Características dessa escravidão
Por essa escravidão consagramos nossa vida nas mãos de Maria Santíssima, e Lhe entregamos todos os nossos méritos para que disponha deles como melhor quiser. Convenhamos, não é um muito bom negócio para Ela... Que são os pobres méritos dos homens em comparação com os que Ela alcançou! Mas, se é este o desejo d’Ela, deixemos que Nossa Senhora use de nossos méritos como Lhe aprouver, em benefício de terceiros, em tal intenção da Igreja, etc., etc.
São Luís Grignion, entretanto, procura nos fazer ver a inestimável vantagem dessa entrega, aplicando à generosidade de Nossa Senhora uma expressão francesa muito interessante: “Em troca de um ovo, ela nos dá um boi”. Ou seja, damos diminutos méritos e, em retribuição, Ela nos concede uma torrente de graças.
Devemos, pois, fazer tudo o que Nossa Senhora deseja que façamos, quer dizer, cumprir a lei de Deus e procurar sermos perfeitos. Em outras palavras, tudo o que sabemos que seja o melhor para os interesses da Igreja, segundo a moral e a perfeição cristã. Em compensação, Ela nos toma sob sua proteção de modo especial, e nos torna beneficiários de méritos superabundantes.
Eis no que consiste essa consagração de amor à Santíssima Virgem.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Jansenismo e a consagração a Nossa Senhora

Na França do tempo de São Luís Maria Grignion de Montfort, disseminava-se nos meios católicos uma doutrina denominada de galicanismo. Opunha-se à influência de Roma sobre a França, daí o nome de galicanismo, alusão ao antigo nome do país: Gália. Queria, por exemplo, a independência do clero francês em relação à Santa Sé.
A esse erro somava-se outro, cujo fautor viveu no começo do século XVII: era um bispo holandês chamado Jansênio. Ele fez uma apresentação da doutrina católica que continha, disfarçadamente, muitos erros. Esses erros começaram a circular, até constituir todo um movimento religioso que atingiu a França: o jansenismo, que era uma espécie de calvinismo mitigado.
Os jansenistas queriam, por exemplo, a diminuição do culto a Nossa Senhora e ao Santíssimo Sacramento. Se tomarmos todos os pontos defendidos pelos protestantes contra os católicos ao longo do século XVI, veremos que Jansênio retomou as teses de Calvino.
Mas Jansênio apresentava essas teses de modo disfarçado. Ele não negava o culto ao Santíssimo Sacramento, mas o subestimava. Ele não negava o culto a Nossa Senhora, mas o subestimava. E subestimar significa dar a esses cultos uma importância muito inferior ao lugar que devem ter na fidelidade católica.
São Luís Grignion de Montfort, um devoto muito especial da Santíssima Virgem, iniciou discussões com os jansenistas e tomou a resolução de desenvolver e explicitar — com especial insistência — a doutrina católica sobre Nossa Senhora, nos pontos mais característicos, que os calvinistas mais negavam.
Doutrinas e profecias de São Luís Grignion de Montfort
À sua obra de teologia marial, que é também uma obra de apologética — quer dizer, de discussão para converter os hereges —, São Luís Grignion acrescentou mais um caráter, que é a bem dizer profético: tomou a doutrina católica tal como era em seu tempo e acrescentou conclusões, tiradas logicamente dos princípios mariais então professados.
Nessa época a Imaculada Conceição ainda não era um dogma. Foi definida como tal pelo Papa Pio IX no século XIX. A infalibilidade papal, que tem ligações com o dogma da Imaculada Conceição, foi igualmente definida por Pio IX. Mas São Luís Grignion desenvolveu, já no seu tempo, quase todos esses pontos, como consequências deduzidas da doutrina católica.
A partir dessas concepções doutrinárias, fez uma previsão. Descreveu as condições morais de sua época, mergulhada numa grande crise, comparada por ele com a que antecedeu o dilúvio. E descreveu as consequências dessa crise. Por fim, ele profetizou o “Reino de Maria” na terra.
Em resumo, sua obra é, primeiramente, de luta contra a heresia — o protestantismo disfarçado, chamado jansenismo —, e, em segundo lugar, de glorificação da Santíssima Virgem, o que constituía um aspecto dessa luta. Essa glorificação de Nossa Senhora levou-o a tirar consequências de Mariologia que foram confirmadas depois pela Igreja. Em terceiro lugar, fez profecias sobre o futuro da França e da Europa, em consequência dos erros morais que existiam no tempo dele, prevendo catástrofes que seriam um pouco a Revolução Francesa, um pouco também a Revolução Comunista e a situação na qual nos encontramos. Além disso, previu o “Reino de Maria”: uma época em que a devoção à Santíssima Virgem seria levada a seu apogeu. Época também em que a santidade entre os católicos seria levada muito longe, deveria crescer muito. Dizia, por exemplo, que os santos das épocas anteriores seriam,em relação aos do “Reino de Maria”, como gramas comparadas a carvalhos.
O “Tratado”
Esse conjunto de doutrinas e profecias é o “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”. São Luís acrescenta a tudo isso uma forma de devoção especial: a escravidão de amor à Santíssima Virgem.
Do ponto de vista marial, ele faz a defesa dos privilégios da Santíssima Virgem, citando autores antigos, etc.
Do ponto de vista apologético, não ataca diretamente Calvino. Mas quem lê as obras de Calvino e as de São Luís Grignion, vê que o “Tratado” é a contraposição de Calvino e, portanto, de Jansênio, um calvinista disfarçado. Como Jansênio não se declarava inimigo da Igreja a não ser nas entrelinhas, São Luís Maria Grignion de Montfort deu a resposta nas entrelinhas também, algo inteiramente explicável do ponto de vista tático.
Garantia de ortodoxia
Uma pergunta cabe aqui: qual é a ortodoxia de tudo isso? Qual a garantia de que essas doutrinas e profecias estão de acordo com a doutrina católica?
A resposta é esta: São Luís Grignion de Montfort foi canonizado. E antes disso, todos os seus escritos foram analisados por teólogos especialistas e depois passaram por um exame do Papa. Na qualidade de Chefe da Igreja, de sucessor dos Apóstolos, de pessoa que possui o carisma da infalibilidade, o Papa declarou que ele foi santo. Assim são feitas as canonizações. Logo, todas as obras de São Luís Grignion são em princípio ortodoxas. Quer dizer que nelas não deve ter sido encontrado nenhum erro teológico ou moral; são inteiramente conformes à doutrina da Igreja.
Isto não significa que tudo o que se encontra nas obras dele seja dogmático, mas simplesmente que nada foi encontrado aí que seja contrário à doutrina católica, tal qual ela é definida nesse momento. Mas é possível que algumas definições posteriores a ele não contenham algo que ele disse. Sobretudo suas profecias sobre o futuro não têm a garantia da Igreja, porque esta nunca autentica revelações particulares. E São Luís Grignion não apresenta suas profecias como uma revelação, mas como consequências lógicas da doutrina por ele sustentada, e como consequências históricas previsíveis do quadro geral da França do seu tempo.
E a Igreja apenas certifica que os escritos e as palavras dele são inteiramente conformes ao que Ela já ensinou. Mas isso é totalmente tranquilizador. Devemos, pois, usar nosso raciocínio para verificar a probabilidade de suas previsões.
Eis o que se pode dizer a respeito da ortodoxia.
(Continua no próximo post.)

sábado, 7 de janeiro de 2012

A grande utopia

Não é deste mundo a concórdia sem jaça, a paz perfeita e eterna entre todos os homens, todas as nações e todas as doutrinas, a felicidade total. Nesta terra de exílio, as carências, as dissensões, as catástrofes são inevitáveis. E uma visão cristã da vida leva, ao mesmo tempo, a circunscrevê-las quanto possível e a resignar-se a elas porque inevitáveis.
Divisão inexorável
Esta dura lição, tão ingrata ao neopaganismo de nossos dias, lembro-a num texto áureo de São Luís Maria Grignion de Montfort, o incomparável apóstolo da devoção a Nossa Senhora.
Dissertando sobre a eterna luta entre a Virgem e a serpente, mostra-nos ele a vida dos povos antes de tudo como uma grandiosa, trágica e incessante guerra entre a verdade e o erro, o bem e o mal, o belo e o feio. Batalha esta sem a qual a existência terrena do homem, desfalcada do seu significado sobrenatural, perderia sua dignidade.
Comentando as palavras do Gênesis (3, 15) — “porei inimizades entre ti e a mulher e entre a tua posteridade e a posteridade dela” — observa com profundidade o grande santo:
“Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irreconciliável, que não só há de durar, mas aumentar até o fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio” (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, Vozes, Petrópolis, 6ª edição, 1961, pp. 54- 55).
E ele passa em seguida a descrever a grande guerra que divide os homens inexoravelmente, até o fim da História. Tal guerra não é senão um prolongamento da oposição entre a Virgem e a serpente, entre a progenitura espiritual daquela e a progenitura espiritual desta: “(Deus) lhe deu até, desde o Paraíso, tanto ódio a esse amaldiçoado inimigo, tanta clarividência para descobrir a malícia dessa velha serpente, tanta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso, que o temor que Maria inspira ao demônio é maior que o que lhe inspiram todos os anjos e homens, e, em certo sentido, o próprio Deus” (op. cit., p. 55).
Dentro deste quadro, a “clemente, piedosa, doce Virgem Maria” que o Doutor Melífluo, São Bernardo, cantou com tal suavidade na “Salve Regina”, nos é apresentada por São Luís Grignion como uma verdadeira torre de combate (Turris Davidica, exclama a Ladainha Lauretana)
Maria será sempre vitoriosa
Ao longo da História, até o fim do mundo, os filhos de Nossa Senhora batalharão contra os filhos de Satã. E a vitória final será dos primeiros, pela interferência da Mãe de Deus:
Deus não pôs somente inimizade, mas inimizades, e não somente entre Maria e o demônio, mas também entre a posteridade da Santíssima Virgem e a posteridade do demônio. Quer dizer, Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio. Não há entre eles a menor sombra de amor, nem correspondência íntima existe entre uns e outros. Os filhos de Belial, os escravos de Satã, os amigos do mundo (pois é a mesma coisa) sempre perseguiram até hoje e perseguirão no futuro aqueles que pertencem à Santíssima Virgem, como outrora Caim perseguiu seu irmão Abel, e Esaú seu irmão Jacob, figurando os réprobos e os predestinados. Mas a humilde Maria será sempre vitoriosa na luta contra este orgulhoso, e tão grande será a vitória final que Ela chegará ao ponto de esmagar-lhe a cabeça, sede de todo o orgulho. Ela descobrirá sempre sua malícia de serpente, desvendará suas tramas infernais, desfará seus conselhos diabólicos, e até o fim dos tempos garantirá seus fiéis servidores contra as garras de tão cruel inimigo” (op. cit., pp. 56-57).
Bem entendido, nossos dias também têm sido sacudidos por esse entrechoque terrível, que não se confunde necessariamente com as guerras do século, mas tem alguma relação com elas. E sobretudo tem uma relação óbvia com as incontáveis revoluções que têm abalado o Ocidente, como fora predito por Nossa Senhora em Fátima.
Utopia, ilusão e mentira
A supressão dessa luta por uma reconciliação entre a raça da Virgem e a raça da serpente, rumo a uma era na qual a cessação utópica do entrechoque acarrete uma composição entre todos os direitos, todos os interesses, uma interpenetração de todas as línguas sob um governo universal que será tão-só fartura e despreocupação — eis a grande utopia contra a qual as massas se devem precaver. Eis o regresso (ou antes, o retrocesso) à orgulhosa Torre de Babel, que de todos os modos o neopaganismo procura reerguer. Eis a bandeira toda tecida de ilusão e de mentira com que, em todas as épocas, os demagogos procuram arrastar as massas insurrectas.