segunda-feira, 30 de março de 2015

Maria detém a cólera de Deus

Continuação dos comentários ao Pequeno Ofício da Imaculada
“A cólera de Deus contra os pecadores é terrível. Ele se compara à leoa, e diz pelos lábios de Oséias (v 14): «Eu serei como uma leoa e como um leãozinho, Eu, Eu mesmo tomarei a minha presa, e ir-me-ei com ela». E, mais adiante (XIII, 8): «Eu lhes sairei ao encontro como uma ursa a quem roubaram os seus [filhotes], e lhes rasgarei as entranhas até ao coração».
“Se Maria não se apresentasse diante de Jesus, intercedendo por nós, todo o peso desta temível cólera teria caído sobre nós e nos esmagado. Contudo, Ela se apresentou, e se apresenta a cada dia, [perante seu Divino Filho, não se cansando de salvar aqueles que imploram sua assistência.
“David perdoou a Nabal em consideração da belíssima e prudentíssima Abigail: assim Deus nos perdoa por causa de Maria, a mais bela, a mais perfeita e a mais amada de todas as suas criaturas” 1
Mãe e Advogada dos homens
Ainda sobre a incansável Advogada dos pecadores, diz o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira:
‘Afirmam os teólogos que, no alto da Cruz, Nosso Senhor, Profeta perfeito, conhecia todos os pecados de todos os homens, pelos quais Ele estava derramando seu preciosíssimo Sangue. Ele sofria com a antevisão das injúrias que Lhe seriam feitas até o fim do mundo, ao mesmo tempo em que oferecia sua vida por esses mesmos pecadores, para lhes alcançar a graça da conversão e da bem-aventurança eterna.
“Ora, junto à Cruz estava Nossa Senhora, co-redentora do gênero humano, participando dos sofrimentos de seu Divino Filho. E para que sua compaixão fosse completa, Ela também considerou a causa de todas aquelas dores, ou seja, os pecados dos homens, e já então começou a interceder pela humanidade culpada.
“Assim, enquanto o Verbo de Deus, pregado ao Madeiro, discernia a espantosa quantidade de pecados cometidos pelos homens ao longo dos séculos, Nossa Senhora Lhe pedia o perdão para cada um deles. Porque Ela, sendo imaculada e inocente, merecia a indulgência da qual não somos dignos.
“Eis a missão de Maria Santíssima como nossa Mãe e nossa Advogada. Mãe do Homem-Deus, Ela foi Mãe de todos aqueles que nasceram para a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mãe do Redentor, Ela se tornou Mãe dos pecadores. E Ela desempenhou, assim, um papel que, de certo modo, o próprio Deus não poderia exercer. Ele é o Eterno Juiz que deve punir os que O injuriam. Nossa Senhora, porém, é Mãe, e às mães não cabe a tarefa de julgar, mas a de interceder. Elas são as naturais advogadas dos filhos, e estão solidárias com estes, até quando o pai os increpa a justo título.
“Assim, por mais miserável, imundo e repelente que seja o filho pecador, a Mãe de misericórdia o perdoa e roga por ele ao Senhor, aplacando a justiça divina.
“Advogada supremamente boa, Nossa Senhora, em favor de cada um dos pecadores que a Ela recorre, dirige a Jesus Cristo esta súplica:
«Meu Deus e meu Filho, pelo vosso dolorosíssimo sofrimento no Calvário, pela minha Imaculada Conceição, pela minha perpétua virgindade, pelo amor que Vós sabeis que Vos tenho, peço-Vos: perdoai-o!»

“Essa contínua e ilimitada intercessão de Maria pelos homens é, sem dúvida, o meio mais seguro que temos para alcançar o perdão divino” 2
1) JOURDAIN, Z.-C. Somme des GrandeursdeMarie. Paris: Hippolyte Waizer, 1900. VoL I. p. 523-525. 
2) CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência em 7/2/1971. (Arquivo pessoal).

quarta-feira, 25 de março de 2015

A Anunciação do Anjo e a Encarnação do Verbo

Reflexões a respeito da Anunciação do Anjo e a Encarnação do Verbo

A Anunciação de si está ligada intimamente com um dos principais mistérios de nossa fé, que é a Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A Encarnação é um mistério. Porque tomar a natureza humana, um ente humano, com seu corpo, sangue, alma; e unir essa natureza humana à divindade, numa pessoa que não é humana, que é divina – não houve pessoa humana, mas apenas pessoa divina –, é algo que nós não temos capacidade para chegar a entender inteiramente isso. Nossa inteligência não ultrapassa os umbrais do sobrenatural. O sobrenatural consegue ser percorrido por nós às apalpadelas e pela virtude da fé, sem a virtude da fé nós não entramos nele.
¯ Levem em consideração que, por um decreto divino, um arcanjo, São Gabriel, desce dos Céus, se apresenta diante de Nossa Senhora e propõe a Ela que Ela, jovem de seus  16, 17 anos, puríssima, virginalíssima, humilíssima – porque Ela queria ser escrava da mãe do Messias, jamais havia passado pela cabeça dEla a idéia de que pudesse ser mãe do Messias –, que Ela seja a mãe do Messias.
Mais: é possível que Ela nem soubesse do mistério da Encarnação, até esse presente momento; é possível que não tivesse tido notícias  a respeito disso.
De repente Ela vê um arcanjo diante de si.
¯ Segundo a crença dos que viviam na fase do Antigo Testamento, o ver um anjo era sinal de morte imediata ou próxima. Foi o susto que levou São Zacarias quando viu um arcanjo a lhe anunciar que sua esposa Isabel, conceberia um filho: que seria São João Batista.
Ela, Nossa Senhora, vê o anjo e não se espanta. Ela toma a presença do arcanjo com toda a naturalidade, porque o comércio dEla com o sobrenatural era total.
¯ Este arcanjo diz o quê para Ela? Diz que Ela é “cheia de graças”.
Ela não refuta, Ela não discute, dentro da sua humildade Ela não diz: “Não, isso não é bem assim”. Ela aceita.
Por que, sendo humilde, Ela aceita? Porque a humildade é a verdade. Ela não podia negar porque Ela mentiria, e Ela não podia mentir.
Ela aceita porque coincide com a análise que Ela faz imediatamente, e chega à conclusão que, de fato, é cheia de graça.
¯ “O Senhor é convosco”.
Ela também não refuta, porque, de fato, Ela sentia que Deus estava com Ela.
¯ O anjo então propõe a Ela que seja mãe de Deus.
Ela não diz que não está à altura, em nenhum momento. Ela não diz que não tem qualidades para aquilo. Ela levanta um problema, que é o do voto que Ela fez: Ela fez um voto de conservar a virgindade, e não pode romper esse voto.
Por isso Ela ficou perturbada. A perturbação dEla veio de um problema de consciência: “Como serei eu mãe, uma vez que fiz um voto de castidade perpétuo?”.
O anjo a tranquiliza, e diz:
Não vos perturbeis, porque isto será feito sem que este voto seja rompido.
Resposta d’Ela:
Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra.
¯ E imediatamente se dá o princípio da conformação, da configuração, da formação do corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo; ao mesmo tempo que da alma.
Uma corrente não pouco numerosa diz que a alma é infundida no corpo apenas no terceiro, quarto mês de gestação. Parece-nos absurdo, porque outra corrente de teólogos mais numerosa afirma a alma é infundida no corpo a partir do momento que começa a mover-se a configuração do corpo no claustro materno.
Assim, naquele momento em que Nossa Senhora diz: “Eis a Escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra”, a alma de Nosso Senhor Jesus Cristo, unida hipostaticamente à divindade, à segunda Pessoa da Santíssima Trindade, esta alma e este corpo se fizeram presentes no claustro maternal de Nossa Senhora.


¯ Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro, começou a se constituir ali. E Ela passou a ser o mais rico, o mais extraordinário, o mais divino de todos os sacrários e tabernáculos da terra. Ela passou a conduzir a Nosso Senhor Jesus Cristo em corpo, sangue, alma e divindade.
Consideremos que nós, hoje, quando queremos adorar Nosso Senhor, nós procuramos um tabernáculo, nos ajoelhamos e passamos a adorá-Lo; ou, então, fixamos uma hóstia consagrada.
Ela... voltava-se para o seu interior, porque Deus – corpo, sangue, alma e divindade – estava dentro dEla!
¯ Imaginem o que deve ter sido o respeito e a adoração de uma mãe que carrega no seu claustro materno não um filho comum, mas o Criador de todo o universo.
As canções de Natal falam do Criador: “Ó Rei dos céus, ó Rei dos reis, ó Rei de todo universo e da criação... que se encontra deitado numas palhas...” Mas este que está nas palhas passou nove meses dentro de Nossa Senhora!
¯ Aqui compete a nós pararmos e pensar o seguinte:
Ø Eu, quantas vezes comunguei em minha vida... Eu, que tantas e tantas vezes recebi o corpo, sangue, alma e divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo em mim – que, portanto, fiz o papel de Nossa Senhora durante o período em que hóstia sagrada esteve em mim –, eu, que orações fiz a Nosso Senhor Jesus Cristo?
Ø Não é verdade que eu devo reconhecer que estive muito aquém de tudo aquilo que seria necessário?
Ø Não é verdade que eu deveria reconhecer que falta-me tanto para ser verdadeiramente devoto do Santíssimo Sacramento e de estar à altura de receber Nosso Senhor Jesus Cristo?
Ø E eu chego a uma conclusão: que não há melhor meio, não há outra saída, senão a de eu pedir a Nossa Senhora que receba Nosso Senhor Jesus Cristo por mim, porque eu não sou digno.
Quando eu digo como o centurião romano: “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha casa”, é porque eu não sou digno mesmo.
Mas Ele vem, Ele vai entrar, Ele vai se dar a mim, Ele vai viver aqui dentro.
Ø Então é preciso que eu diga:
“Minha Mãe, vós O conduzistes com alegria para Ele, e com benefício enorme para vós. Dai de novo esta alegria a Nosso Senhor Jesus Cristo, estando em mim para recebê-Lo. Que Ele penetre em vós, mas que vós estejais em mim.


“E permiti, Senhora, que eu vos peça que as graças que Ele vos daria estando em vós, e que Ele vos dá estando em vós, que estas graças vós as dispenseis para este miserável servo vosso. Dai-me as graças que vós recebereis estando em mim e acolhendo ao vosso Divino Filho como  O acolhestes na Encarnação”.
Ø Eu aí estabeleço um colóquio com Nossa Senhora, no final desta meditação:
 “Eu vos peço, Senhora: que jamais eu receba uma só comunhão em toda a minha vida que não seja em união convosco.
“Mais: que vós estejais sempre em mim para recebê-Lo. E que todos os benefícios que vós receberíeis na terra ao comungar, que esses benefícios – estando vós em meu lugar e recebendo a eucaristia por mim, como eu agora peço que assim seja feito –, eu vos imploro: dai-me os benefícios deste ato que vós receberíeis.
“Está dito por São Bernardo: «Lembrai-vos, ó piíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tivesse recorrido à vossa proteção, implorado vossa assistência, reclamando vosso socorro, fosse por vós desamparado». Eu sei que vós me ouvireis. Portanto, daqui por diante, até a minha última comunhão da vida, Senhora, recebei  a Jesus vós em meu lugar, e dai-me todos os benefícios que vós receberíeis se estivésseis comungando em meu lugar, como de fato o fareis.
“Minha Mãe, que tudo seja para reparar o vosso Sapiencial e Imaculado Coração e pela conversão da Rússia.
“Assim seja”.


 Mons João Clá Dias

quinta-feira, 19 de março de 2015

Grande Advogada dos pecadores

“Santo Antonino conta o seguinte de um homem que vivia em inimizade com Deus. Pareceu-lhe certa vez que comparecia perante o tribunal de Jesus Cristo. De um lado acusava-o o demônio, enquanto que Maria o defendia. O inimigo apresentava ao pecador a lista de suas faltas, a qual, posta na balança da divina justiça, pesava mais que todas as [suas] boas ações.
“Mas, que fez então a sua grande Advogada? Estendeu a sua compassiva mão e, pondo-a sobre a balança, fê-la inclinar a favor do seu devoto. E assim lhe fez entender que Ela lhe alcançava o perdão, se mudasse de vida.
“Com efeito, aquele pecador, depois de tal visão, mudou de vida e se converteu.”

LIGÓRIO, Afonso Maria de. Glórias de Maria Santíssima.6. ed. Petrópolis: Vozes, 1964. p. 85-86.

sábado, 14 de março de 2015

A primeira Via-Sacra da História

Antes mesmo de a Paixão se completar, Maria Santíssima percorreu os locais onde Jesus teve algum sofrimento especial, recolhendo, como se fossem pedras preciosas, os inesgotáveis méritos d’Ele.
Durante todo o tempo em que os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo, junto com a turbamulta atiçada por eles, bramiam perante o Pretório de Pilatos, exigindo a libertação de Barrabás e a crucifixão de Jesus, onde Se encontrava sua Mãe Santíssima?
A esta pergunta, os Evangelistas não dão resposta, e as almas devotas de Maria, ao meditar sobre a Paixão do Divino Redentor, sentem a necessidade de preencher esse vácuo. A Bem-aventurada Ana Catarina Emmerich — religiosa agostiniana alemã, falecida em 1824 e beatificada por São João Paulo II em outubro de 2004 — satisfaz esse legítimo anseio com suas famosas visões sobre a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Delas extraímos, com as necessárias adaptações, o relato a seguir.1
Antes mesmo de a Paixão se completar
Narra a Bem-aventurada que, enquanto se desenrolavam os sucessivos episódios do julgamento, a Mãe de Jesus, com Maria Madalena e o Apóstolo João, permaneciam num canto da praça, observando e escutando, submersos em profunda dor. E quando Jesus foi conduzido ao Pretório de Pilatos, a Santíssima Virgem, junto com João e Madalena, saíram para percorrer todos os lugares onde Ele havia estado desde sua prisão.
Voltaram, assim, à casa de Caifás, à de Anás, ao Jardim do Getsêmani e ao Horto das Oliveiras. Em todos os lugares onde Nosso Senhor havia caído ou havia sido submetido a algum sofrimento especial, detinham-se em silêncio, choravam e sofriam por Ele. Mais de uma vez, a Virgem das virgens prosternou-Se e osculou a terra no local onde caíra seu Filho. Madalena contorcia as mãos, João chorava e procurava proporcionar-lhes algum consolo. Depois as conduzia para outro lugar.
Iniciou-se por esta forma a devoção da Via-Sacra e das honras prestadas aos mistérios da Paixão de Jesus, antes mesmo de esta se completar. Foi na mais santa flor da humanidade, na Mãe virginal do Filho do Homem, que começou a meditação da Igreja sobre as dores do Redentor Divino.
Oh, que compaixão! Com que violência o gládio cortante e perfurante transpassou seu Coração! Ela, cujo bem-aventurado corpo O carregara, cujos bem-aventurados seios O amamentaram, que O concebera e guardara durante nove meses sob o seu Coração cheio de graça, que O portara e O sentira viver em Si antes de os homens receberem d’Ele a bênção, a doutrina e a salvação, Ela compartilhava todos os sofrimentos de Jesus, inclusive seu ardente desejo de resgatar os homens pelos seus padecimentos e sua Morte na Cruz.
Foi assim que a Virgem pura e sem mancha inaugurou para a Igreja a devoção do Caminho da Cruz, para recolher em todos os lugares desse bendito trajeto, como se fossem pedras preciosas, os inesgotáveis méritos de Jesus Cristo e oferecê-los a Deus Pai em benefício de todos os fiéis.
Tudo quanto houve e haverá de santo na humanidade, todos os homens que suspiraram após a Redenção, todos os que celebraram com respeitosa compaixão e com amor os sofrimentos de nosso Salvador, faziam com Maria o Caminho da Cruz, afligiam-se, oravam, ofereciam-se em holocausto no Coração da Mãe de Jesus, a qual é uma terna Mãe também para todos os seus irmãos unidos pela mesma Fé no seio da Santa Igreja.
Arrependimento da Madalena e sofrimentos de João
Madalena estava como que fora de si, pela violência da dor. Tinha um imenso e santo amor a Jesus. Quando, porém, desejava verter sua alma a seus divinos pés, como derramara o óleo aromático de nardo sobre sua cabeça, via abrir-se um horroroso abismo entre ela e seu Bem-amado. Sentia um arrependimento e uma gratidão sem limites, e quando queria elevar para Ele seu coração, como o perfume do incenso, via Jesus maltratado, conduzido à morte, por causa dos pecados por ela cometidos.
Causavam-lhe então profundo horror essas faltas pelas quais Jesus tanto tinha a sofrer. Ela se precipitava no abismo do arrependimento, sem poder esgotá-lo nem preenchê-lo. Sentia-se de novo arrastada por seu amor a seu Senhor e Mestre, e O via entregue aos mais horríveis tormentos. Assim, sua alma estava cruelmente dilacerada entre o amor, o arrependimento, a gratidão, a contemplação da ingratidão de seu povo, e todos esses sentimentos exprimiam-se em seu modo de andar, suas palavras, seus gestos.
O Apóstolo João amava e sofria. Pela primeira vez, ele conduzia a Mãe de seu Mestre e de seu Deus, que também o amava e por ele sofria, sobre esses traços do Caminho da Cruz ao longo do qual a Igreja deveria segui-La.
“Se for possível, afaste-se este cálice”
Muito embora soubesse bem que a Morte de Jesus era o único meio de redimir o gênero humano — explica a Beata —, Maria estava cheia de angústia e desejo de livrá-Lo do suplício.
Da mesma forma como Jesus — feito Homem e destinado à crucifixão por livre vontade — sofria como qualquer homem todas as penas e torturas de um inocente conduzido à morte e em extremo maltratado, assim também Maria padecia todas as dores que podem acabrunhar uma mãe à vista de um filho santo e virtuoso tratado tão injustamente por um povo ingrato e cruel. Ela rezava para que esse imenso crime não se efetivasse. Como Jesus no Horto das Oliveiras, Ela dizia ao Pai Celeste:
“Se for possível, afaste-se este cálice”. Se for possível... Nos desígnios de amor da Trindade Santíssima estava decidido: o Verbo de Deus Encarnado deveria beber, até a última gota, esta taça de dores. Não era possível. O Inocente por excelência foi condenado ao infamante suplício da crucifixão. Osculou com amor a Cruz e a carregou rumo ao Calvário.
Lancinante encontro da Mãe com o Filho
Mais adiante, a Beata Ana Catarina Emmerich descreve a lancinante cena do encontro da Mãe com o Filho; narra como, vendo-O coberto de chagas, com a Cruz aos ombros, Ela caiu ao solo, sem sentidos; e como três das Santas Mulheres, auxiliadas pelo Apóstolo Virgem, A levaram para a casa da qual pouco antes haviam saído.
Ao ver-Se separada mais uma vez de seu Filho bem-amado, que prosseguiu com seu pesado fardo aos ombros e cruelmente maltratado, logo o amor e o ardente desejo de estar junto d’Ele deram-Lhe uma força sobrenatural. Ela foi com suas companheiras até a casa de Lázaro, perto da Porta Angular, onde se encontravam as outras Santas Mulheres, gemendo e chorando com Marta e Madalena. De lá partiram, em número de dezessete, para seguir o caminho da Paixão.
Vi-as — diz a beata —, cheias de gravidade e resolução, indiferentes às injúrias do populacho e impondo respeito pela sua dor, atravessar o Fórum, cobertas com seus véus, beijar a terra no lugar onde Jesus tomara a Cruz, depois seguir o caminho que Ele havia percorrido. Maria e outras que recebiam mais luzes do Céu procuravam as pegadas de Jesus. Sentindo e vendo tudo com a ajuda de uma luz interior, a Virgem Santa as guiava nessa via dolorosa e todos esses locais se imprimiam vivamente em sua alma. Ela contava todos os passos e indicava Lancinante encontro às suas companheiras os da Mãe com o Filho lugares consagrados por alguma dolorosa circunstância.
***
A devoção da Via Crucis nasceu, portanto, do fundo da natureza humana e das intenções de Deus para com o seu povo, não em virtude de um plano premeditado. Por assim dizer, ela foi inaugurada sob os pés de Jesus, o primeiro a percorrê-la, pelo amor da mais terna das mães.

1 Artigo baseado na obra La douloureuse Passion de Notre Seigneur Jésus-Christ d’après les meditations d’Anne Catherine Emmerich, disponível no site http:// www.clerus.org. Obra publicada em português: EMMERICH, Anna Catharina. Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus. São Paulo: MIR, 1999
Revista Arautos do Evangelho março 2015

segunda-feira, 9 de março de 2015

Nossa Senhora favorece a misericórdia de Deus

Causa comum com os miseráveis
“Abigail obtém misericórdia, tomando sobre si a falta de seu marido, e fazendo valer, com admirável habilidade, o que podia desculpá-lo. Maria toma sobre si todas as nossas iniquidades, porque Ela é nossa Mãe espiritual, e nós somos seus filhos e, por conseguinte, nossa causa é a d’Ela. Porém, com que eloquência Ela suplica por nós!
Como Ela sabe nos aliviar de nossas responsabilidades! Enquanto acumulamos pecados sobre pecados, Ela pede em nosso favor perdão e misericórdia. Ela representa ao Senhor nossa miséria, nossa fraqueza, a enfermidade de nossa natureza, a malícia do demônio que nos persegue, a violência das tentações que nos assaltam, a perversidade do mundo que procura nos seduzir e nos levar a toda espécie de mal. Lembra Ela a Deus que seu Divino Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, veio ao mundo para salvar os pecadores. [...] Ela exalta a misericórdia do Senhor, bendiz a bondade e a indulgência da Santíssima Trindade.
Dádivas de valor infinito
“Não é o bastante. Como Abigail, às palavras Ela une os presentes.
“Entre outras coisas, Maria também oferece pão, vinho, um cordeiro, mas que cordeiro, que pão e que vinho! Ela apresenta ao Senhor, pelos prevaricadores o Cordeiro de Deus, o Filho de Deus, seu Filho, imolado no Calvário pela redenção do mundo. Ela O apresenta sacrificado, todos os dias, milhares e milhares de vezes, sobre os altares, pela transubstanciação separada do pão e do vinho em Corpo e Sangue do Salvador. E com os méritos de Jesus Ela oferece seus próprios méritos, seus próprios sofrimentos, suas lágrimas, seus gemidos. E Ela ganha sua causa. Feliz e poderosa advogada, Ela aplaca a cólera de Deus, detém o braço de sua justiça pronto a nos ferir, […] e obtém o perdão dos pecadores. Que digo? Mais poderosa que Abigail em face de David, Maria muda os corações em favor dos quais Ela solicita a misericórdia divina. Não somente Ela intercede pelos pecadores, mas, ó prodígio de poder e de bondade, Ela os converte” 22
Nova Abigail que favorece a misericórdia de Deus
Outro insigne mariólogo assim estabelece um paralelo entre a antiga e a nova Abigail:
 “Nabal havia rejeitado com dureza, aos enviados de David, as provisões necessárias ao eleito do Senhor. Ele mereceu um castigo que não ia se fazer esperar. Mas, Abigail, sua esposa, reparou a falta cometida, e obteve o perdão para o culpado.
“Maria é nossa Abigail. Semelhantes ao insensato Nabal, e mais indignos de perdão do que este — porque nós conhecemos melhor do que ele a quem ofendemos, e não ignoramos nem seu poder, nem os benefícios com que Ele nos cumulou, nem o perigo espantoso ao qual nos expomos loucamente — fizemos levantar-se contra nós a ira de Jesus Cristo, o verdadeiro David.
“Maria, tomada de compaixão, acorreu para nos salvar. Ela impediu David de precipitar na morte eterna a Nabal, o miserável insensato. Prosternada aos pés do Senhor, humilhando-se profundamente, Ela disse: «Que esta iniquidade, meu Senhor caia sobre mim. Que Nabal não receba de Vós castigo algum». Não vos vingueis; antes deixai agir vossa bondade, multiplicai vossos benefícios, perdoai aos culpados, manifestai vossa misericórdia.
“David, aplacado pela intercessão de Abigail, disse-lhe: «Que o Senhor Pai de misericórdias, seja bendito por vos ter enviado hoje ao me encontro, e bendita seja a vossa palavra». Jesus Cristo, nosso Senhor e nosso Deus, não pede senão que se deixe agir sua misericórdia em nosso favor. Mas, o mínimo que pode exigir sua justiça, não é que Lhe seja implorado o perdão do culpado?
“Quando Maria se humilha diante de seu Divino Filho, quando Ela roga por nós, Ele se compraz em satisfazer seus desejos, Ele agradece à sua divina Mãe a ocasião que Ela Lhe proporciona de manifestar sua bondade, e de exercer sua infinita misericórdia.

22) ROLLD La Reine du Paradis. 8. ed. Paris: Langres, 1910. Vol. I. p. 124; 129-130.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Maria: Advogada dos pecadores

Comentários ao pequeno Ofício de Nossa Senhora 
Sois a bela Abigail
A história de Abigail, esposa de Nabal
Perseguido pelo invejoso e ingrato Saul, David se refugiou, com algumas centenas de soldados, no deserto de Faran. Encontrando-se à míngua de víveres, enviou ele mensageiros a um homem de muitas posses, que habitava em Maon, rogando-lhe auxílio em provisões.
“O nome daquele homem era Nabal, e o nome da sua mulher Abigail; e esta era muito prudente e formosa; seu marido, porém, era um homem duro e péssimo e malicioso. [...] Respondendo Nabal, aos criados de David, disse: Quem é David? E quem é o filho de Isaí? Hoje são numerosos os servos que fogem aos seus senhores. Pegarei eu, portanto, no meu pão, e na minha água, e na carne dos animais que matei para os que tosquiam as minhas ovelhas, e dá-lo-ei a homens que não sei donde são?
“Os criados de David, pois, retomaram o seu caminho, e, tendo chegado, contaram-lhe todas as palavras que Nabal tinha dito. Então, David disse à sua gente: Cinja cada um a sua espada. E cingiram todos as suas espadas, e cingiu também David a sua; e seguiram David cerca de quatrocentos homens.
“Mas um dos criados de Nabal noticiou a Abigail, sua mulher, dizendo: Sabe que David enviou do deserto mensageiros, para saudarem o nosso amo; e ele os repeliu. Estes homens nos têm sido muito úteis, e nunca nos foram molestos. [...] Portanto, considera e vê o que deves fazer, porque uma grande desgraça está para cair sobre o teu marido e sobre a tua casa, e ele é um filho de Belial, (tão violento) que ninguém se atreve a falar-lhe.
“Apressou-se, pois, Abigail, e tomou duzentos pães, e dois odres de vinho, e cinco carneiros cozidos, e cinco medidas de farinha e cem cachos de uvas passas, e duzentas pastas de figos secos, e pôs (tudo)
em cima de jumentos; e disse aos seus criados: Ide adiante de mim, que eu irei atrás de vós; e não disse nada a seu marido Nabal. Tendo, pois, montado num jumento, e descendo pelas faldas do monte, eis que David e seus homens desciam para ela; e ela foi-lhes ao encontro. E David dizia: Em verdade que de nada me serviu de ter guardado tudo o que este (homem) tinha no deserto, sem que se lhe perdesse nunca coisa alguma do que possuía; e ele me pagou mal por bem. Deus trate com todo o seu rigor os inimigos de David, se eu até amanhã deixar viva coisa que lhe pertença. [...1
“Mas Abigail, tendo visto David, apressou-se, e desceu do jumento, e prostrou-se diante de David sobre o seu rosto, e fez-lhe uma profunda reverência, e lançou-se a seus pés, e disse: Sobre mim caia, meu senhor, esta iniquidade; peço-te que permitas à tua escrava falar aos teus ouvidos, e ouve as palavras de tua serva. Não faças caso, te peço, meu senhor e meu rei, da injustiça de Nabal, porque como o denota o seu próprio nome, é um insensato, e a loucura está com ele. Mas eu, tua escrava, não vi os criados que tu, meu senhor, enviaste. Agora, pois, meu senhor, viva o Senhor, e viva a tua alma, pois que o Senhor te impediu de derramar sangue, e deteve a tua mão. [...] Portanto, aceita esta bênção, que a tua escrava te trouxe, meu senhor, e reparte dela com os que te seguem. Perdoa à tua escrava a iniquidade [de Nabal]. [...]
“E David disse a Abigail: Bendito seja o Senhor Deus de Israel, que te enviou hoje ao meu encontro, e bendita a tua palavra, e bendita tu, que me impediste hoje de derramar sangue, e vingar-me pela minha mão. [...1 David, pois, aceitou da sua mão tudo o que lhe tinha trazido, e disse-lhe: Vai em paz para tua casa; eis que ouvi a tua voz e honrei a tua presença” (I Reis XXV, 1-35).
Prefiguração da Advogada dos pecadores
Este tocante episódio do Antigo Testamento encerra uma extraordinária representação de Nossa Senhora, que intercede pelos pecadores junto ao trono de Deus.
Com efeito, “na conduta de Nabal — explica-nos o Pe. Rolland —encontra-se uma pintura exata dos desregramentos do pecador; na feliz mediação de Abigail, uma fiel imagem da caridade compassiva da Santa Virgem pelos pecadores, e de seu irresistível crédito junto ao Senhor, para obter seu perdão. [...]
“Eficaz foi, portanto, a intercessão de Abigail: com seus encantos, suas palavras de sabedoria e seus generosos presentes, ela tocou o coração de David.
“Mais eficaz junto ao Rei dos reis é a mediação da Santíssima Virgem em favor dos pecadores. Porque a esposa de Nabal só intercedeu uma vez, e por um único culpado. Maria intercede sem cessar por milhões e milhões de pecadores.

“Abigail ganhou o coração de David por sua modéstia realçada pelos atrativos da mais fulgurante beleza. Maria, nossa Advogada, arrebata o coração de Deus por sua incomparável perfeição. Tota pulchra es!
Continua