Antes mesmo de a Paixão se completar, Maria Santíssima
percorreu os locais onde Jesus teve algum sofrimento especial, recolhendo, como
se fossem pedras preciosas, os inesgotáveis méritos d’Ele.
Durante todo o tempo
em que os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo, junto com a turbamulta
atiçada por eles, bramiam perante o Pretório de Pilatos, exigindo a libertação
de Barrabás e a crucifixão de Jesus, onde Se encontrava sua Mãe Santíssima?
A esta pergunta, os
Evangelistas não dão resposta, e as almas devotas de Maria, ao meditar sobre a
Paixão do Divino Redentor, sentem a necessidade de preencher esse vácuo. A
Bem-aventurada Ana Catarina Emmerich — religiosa agostiniana alemã, falecida em
1824 e beatificada por São João Paulo II em outubro de 2004 — satisfaz esse
legítimo anseio com suas famosas visões sobre a Paixão de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Delas extraímos, com
as necessárias adaptações, o relato a seguir.1
Antes mesmo de a Paixão se completar
Narra a
Bem-aventurada que, enquanto se desenrolavam os sucessivos episódios do
julgamento, a Mãe de Jesus, com Maria Madalena e o Apóstolo João, permaneciam
num canto da praça, observando e escutando, submersos em profunda dor. E quando
Jesus foi conduzido ao Pretório de Pilatos, a Santíssima Virgem, junto com João
e Madalena, saíram para percorrer todos os lugares onde Ele havia estado desde
sua prisão.
Voltaram, assim, à
casa de Caifás, à de Anás, ao Jardim do Getsêmani e ao Horto das Oliveiras. Em
todos os lugares onde Nosso Senhor havia caído ou havia sido submetido a algum
sofrimento especial, detinham-se em silêncio, choravam e sofriam por Ele. Mais
de uma vez, a Virgem das virgens prosternou-Se e osculou a terra no local onde
caíra seu Filho. Madalena contorcia as mãos, João chorava e procurava
proporcionar-lhes algum consolo. Depois as conduzia para outro lugar.
Iniciou-se por esta
forma a devoção da Via-Sacra e das honras prestadas aos mistérios da Paixão de
Jesus, antes mesmo de esta se completar. Foi na mais santa flor da humanidade,
na Mãe virginal do Filho do Homem, que começou a meditação da Igreja sobre as
dores do Redentor Divino.
Oh, que compaixão!
Com que violência o gládio cortante e perfurante transpassou seu Coração! Ela,
cujo bem-aventurado corpo O carregara, cujos bem-aventurados seios O
amamentaram, que O concebera e guardara durante nove meses sob o seu Coração
cheio de graça, que O portara e O sentira viver em Si antes de os homens
receberem d’Ele a bênção, a doutrina e a salvação, Ela compartilhava todos os
sofrimentos de Jesus, inclusive seu ardente desejo de resgatar os homens pelos
seus padecimentos e sua Morte na Cruz.
Foi assim que a
Virgem pura e sem mancha inaugurou para a Igreja a devoção do Caminho da Cruz,
para recolher em todos os lugares desse bendito trajeto, como se fossem pedras
preciosas, os inesgotáveis méritos de Jesus Cristo e oferecê-los a Deus Pai em
benefício de todos os fiéis.
Tudo quanto houve e
haverá de santo na humanidade, todos os homens que suspiraram após a Redenção,
todos os que celebraram com respeitosa compaixão e com amor os sofrimentos de
nosso Salvador, faziam com Maria o Caminho da Cruz, afligiam-se, oravam,
ofereciam-se em holocausto no Coração da Mãe de Jesus, a qual é uma terna Mãe
também para todos os seus irmãos unidos pela mesma Fé no seio da Santa Igreja.
Arrependimento da Madalena e sofrimentos de João
Madalena estava como
que fora de si, pela violência da dor. Tinha um imenso e santo amor a Jesus.
Quando, porém, desejava verter sua alma a seus divinos pés, como derramara o
óleo aromático de nardo sobre sua cabeça, via abrir-se um horroroso abismo
entre ela e seu Bem-amado. Sentia um arrependimento e uma gratidão sem limites,
e quando queria elevar para Ele seu coração, como o perfume do incenso, via
Jesus maltratado, conduzido à morte, por causa dos pecados por ela cometidos.
Causavam-lhe então
profundo horror essas faltas pelas quais Jesus tanto tinha a sofrer. Ela se
precipitava no abismo do arrependimento, sem poder esgotá-lo nem preenchê-lo.
Sentia-se de novo arrastada por seu amor a seu Senhor e Mestre, e O via
entregue aos mais horríveis tormentos. Assim, sua alma estava cruelmente
dilacerada entre o amor, o arrependimento, a gratidão, a contemplação da
ingratidão de seu povo, e todos esses sentimentos exprimiam-se em seu modo de
andar, suas palavras, seus gestos.
O Apóstolo João amava
e sofria. Pela primeira vez, ele conduzia a Mãe de seu Mestre e de seu Deus,
que também o amava e por ele sofria, sobre esses traços do Caminho da Cruz ao
longo do qual a Igreja deveria segui-La.
“Se for possível, afaste-se este cálice”
Muito embora soubesse
bem que a Morte de Jesus era o único meio de redimir o gênero humano — explica
a Beata —, Maria estava cheia de angústia e desejo de livrá-Lo do suplício.
Da mesma forma como
Jesus — feito Homem e destinado à crucifixão por livre vontade — sofria como
qualquer homem todas as penas e torturas de um inocente conduzido à morte e em
extremo maltratado, assim também Maria padecia todas as
dores que podem acabrunhar uma mãe à vista de um filho santo e virtuoso tratado
tão injustamente por um povo ingrato e cruel. Ela rezava para que esse imenso
crime não se efetivasse. Como Jesus no Horto das Oliveiras, Ela dizia ao Pai
Celeste:
“Se for possível,
afaste-se este cálice”. Se for possível... Nos desígnios de amor da Trindade
Santíssima estava decidido: o Verbo de Deus Encarnado deveria beber, até a
última gota, esta taça de dores. Não era possível. O Inocente por excelência
foi condenado ao infamante suplício da crucifixão. Osculou com amor a Cruz e a
carregou rumo ao Calvário.
Lancinante encontro da Mãe com o Filho
Mais adiante, a Beata
Ana Catarina Emmerich descreve a lancinante cena do encontro da Mãe com o
Filho; narra como, vendo-O coberto de chagas, com a Cruz aos ombros, Ela caiu
ao solo, sem sentidos; e como três das Santas Mulheres, auxiliadas pelo
Apóstolo Virgem, A levaram para a casa da qual pouco antes haviam saído.
Ao ver-Se separada
mais uma vez de seu Filho bem-amado, que prosseguiu com seu pesado fardo aos ombros
e cruelmente maltratado, logo o amor e o ardente desejo de estar junto d’Ele
deram-Lhe uma força sobrenatural. Ela foi com suas companheiras até a casa de Lázaro,
perto da Porta Angular, onde se encontravam as outras Santas Mulheres, gemendo
e chorando com Marta e Madalena. De lá partiram, em número de dezessete, para
seguir o caminho da Paixão.
Vi-as — diz a beata
—, cheias de gravidade e resolução, indiferentes às injúrias do populacho e
impondo respeito pela sua dor, atravessar o Fórum, cobertas com seus véus,
beijar a terra no lugar onde Jesus tomara a Cruz, depois seguir o caminho que
Ele havia percorrido. Maria e outras que recebiam mais luzes do Céu procuravam
as pegadas de Jesus. Sentindo e vendo tudo com a ajuda de uma luz interior, a
Virgem Santa as guiava nessa via dolorosa e todos esses locais se imprimiam
vivamente em sua alma. Ela contava todos os passos e indicava Lancinante
encontro às suas companheiras os da Mãe com o Filho lugares consagrados por
alguma dolorosa circunstância.
***
A devoção da Via
Crucis nasceu, portanto, do fundo da natureza humana e das intenções de Deus
para com o seu povo, não em virtude de um plano premeditado. Por assim dizer,
ela foi inaugurada sob os pés de Jesus, o primeiro a percorrê-la, pelo amor da mais
terna das mães.
1 Artigo baseado na
obra La douloureuse Passion de Notre Seigneur Jésus-Christ d’après les
meditations d’Anne Catherine Emmerich, disponível no site http:// www.clerus.org.
Obra publicada em português: EMMERICH, Anna Catharina. Vida, Paixão e
Glorificação do Cordeiro de Deus. São Paulo: MIR, 1999
Revista Arautos do Evangelho março 2015