Reflexões a respeito da Anunciação do Anjo e a Encarnação do Verbo
A Anunciação de si está ligada intimamente com
um dos principais mistérios de nossa fé, que é a Encarnação de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
A Encarnação é um mistério. Porque tomar a
natureza humana, um ente humano, com seu corpo, sangue, alma; e unir essa
natureza humana à divindade, numa pessoa que não é humana, que é divina – não
houve pessoa humana, mas apenas pessoa divina –, é algo que nós não temos
capacidade para chegar a entender inteiramente isso. Nossa inteligência não
ultrapassa os umbrais do sobrenatural. O sobrenatural consegue ser percorrido
por nós às apalpadelas e pela virtude da fé, sem a virtude da fé nós não
entramos nele.
¯ Levem em consideração que, por um decreto divino,
um arcanjo, São Gabriel, desce dos Céus, se apresenta diante de Nossa
Senhora e propõe a Ela que Ela, jovem de seus
16, 17 anos, puríssima, virginalíssima, humilíssima – porque Ela queria
ser escrava da mãe do Messias, jamais havia passado pela cabeça dEla a idéia de
que pudesse ser mãe do Messias –, que Ela seja a mãe do Messias.
Mais: é possível que Ela nem soubesse do mistério da
Encarnação, até esse presente momento; é possível que não tivesse tido
notícias a respeito disso.
De repente Ela vê um arcanjo diante de si.
¯ Segundo a crença dos que viviam na fase do Antigo
Testamento, o ver um anjo era sinal de morte imediata ou próxima. Foi o susto
que levou São Zacarias quando viu um arcanjo a lhe anunciar que sua esposa
Isabel, conceberia um filho: que seria São João Batista.
Ela, Nossa Senhora, vê o anjo e não se espanta. Ela
toma a presença do arcanjo com toda a naturalidade, porque o comércio dEla
com o sobrenatural era total.
¯ Este arcanjo diz o quê para Ela? Diz que Ela é “cheia
de graças”.
Ela não refuta, Ela não discute, dentro da sua
humildade Ela não diz: “Não, isso não é bem assim”. Ela aceita.
Por que, sendo humilde, Ela aceita? Porque a humildade
é a verdade. Ela não podia negar porque Ela mentiria, e Ela não podia mentir.
Ela aceita porque coincide com a análise que Ela faz
imediatamente, e chega à conclusão que, de fato, é cheia de graça.
¯ “O Senhor é convosco”.
Ela também não refuta, porque, de fato, Ela sentia que
Deus estava com Ela.
¯ O anjo então propõe a Ela que seja mãe de Deus.
Ela não diz que não está à altura, em nenhum momento.
Ela não diz que não tem qualidades para aquilo. Ela levanta um problema,
que é o do voto que Ela fez: Ela fez um voto de conservar a virgindade, e não
pode romper esse voto.
Por isso Ela ficou perturbada. A perturbação dEla veio
de um problema de consciência: “Como serei eu mãe, uma vez que fiz um
voto de castidade perpétuo?”.
O anjo a tranquiliza, e diz:
– Não vos perturbeis, porque isto será feito sem
que este voto seja rompido.
Resposta d’Ela:
– Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim
segundo a vossa palavra.
¯ E imediatamente se dá o princípio da conformação, da
configuração, da formação do corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo; ao mesmo tempo
que da alma.
Uma corrente não pouco numerosa diz que a alma é
infundida no corpo apenas no terceiro, quarto mês de gestação. Parece-nos
absurdo, porque outra corrente de teólogos mais numerosa afirma a alma é
infundida no corpo a partir do momento que começa a mover-se a configuração do
corpo no claustro materno.
Assim, naquele momento em que Nossa Senhora diz: “Eis
a Escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra”, a alma de
Nosso Senhor Jesus Cristo, unida hipostaticamente à divindade, à segunda Pessoa
da Santíssima Trindade, esta alma e este corpo se fizeram presentes no claustro
maternal de Nossa Senhora.
¯ Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro,
começou a se constituir ali. E Ela passou a ser o mais rico, o
mais extraordinário, o mais divino de todos os sacrários e tabernáculos
da terra. Ela passou a conduzir a Nosso Senhor Jesus Cristo em corpo, sangue,
alma e divindade.
Consideremos que nós, hoje, quando queremos adorar
Nosso Senhor, nós procuramos um tabernáculo, nos ajoelhamos e passamos a
adorá-Lo; ou, então, fixamos uma hóstia consagrada.
Ela... voltava-se para o seu interior, porque Deus –
corpo, sangue, alma e divindade – estava dentro dEla!
¯ Imaginem o que deve ter sido o respeito e a adoração
de uma mãe que carrega no seu claustro materno não um filho comum, mas o Criador
de todo o universo.
As canções de Natal falam do Criador: “Ó Rei dos
céus, ó Rei dos reis, ó Rei de todo universo e da criação... que se encontra
deitado numas palhas...” Mas este que está nas palhas passou nove meses
dentro de Nossa Senhora!
¯ Aqui compete a nós pararmos e pensar o seguinte:
Ø Eu, quantas vezes comunguei em minha vida... Eu, que
tantas e tantas vezes recebi o corpo, sangue, alma e divindade de Nosso Senhor
Jesus Cristo em mim – que, portanto, fiz o papel de Nossa Senhora durante o
período em que hóstia sagrada esteve em mim –, eu, que orações fiz a Nosso
Senhor Jesus Cristo?
Ø Não é verdade que eu devo reconhecer que estive
muito aquém de tudo aquilo que seria necessário?
Ø Não é verdade que eu deveria reconhecer que falta-me
tanto para ser verdadeiramente devoto do Santíssimo Sacramento e de estar
à altura de receber Nosso Senhor Jesus Cristo?
Ø E eu chego a uma conclusão: que não há melhor meio,
não há outra saída, senão a de eu pedir a Nossa Senhora que receba Nosso
Senhor Jesus Cristo por mim, porque eu não sou digno.
Quando eu digo como o centurião romano: “Senhor, eu
não sou digno que entreis em minha casa”, é porque eu não sou digno mesmo.
Mas Ele vem, Ele vai entrar, Ele vai se dar a mim, Ele
vai viver aqui dentro.
Ø Então é preciso que eu diga:
“Minha Mãe, vós O conduzistes com alegria para Ele, e
com benefício enorme para vós. Dai de novo esta alegria a Nosso Senhor Jesus
Cristo, estando em mim para recebê-Lo. Que Ele penetre em vós, mas que vós
estejais em mim.
“E permiti, Senhora, que eu vos peça que as graças que
Ele vos daria estando em vós, e que Ele vos dá estando em vós, que estas graças
vós as dispenseis para este miserável servo vosso. Dai-me as graças que vós
recebereis estando em mim e acolhendo ao vosso Divino Filho como O acolhestes na Encarnação”.
Ø Eu aí estabeleço um colóquio com Nossa
Senhora, no final desta meditação:
“Eu vos
peço, Senhora: que jamais eu receba uma só comunhão em toda a minha vida que
não seja em união convosco.
“Mais: que vós estejais sempre em mim para
recebê-Lo. E que todos os benefícios que vós receberíeis na terra ao
comungar, que esses benefícios – estando vós em meu lugar e recebendo a
eucaristia por mim, como eu agora peço que assim seja feito –, eu vos imploro:
dai-me os benefícios deste ato que vós receberíeis.
“Está dito por São Bernardo: «Lembrai-vos, ó piíssima
Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tivesse recorrido
à vossa proteção, implorado vossa assistência, reclamando vosso socorro, fosse
por vós desamparado». Eu sei que vós me ouvireis. Portanto, daqui por
diante, até a minha última comunhão da vida, Senhora, recebei a Jesus vós em meu lugar, e dai-me
todos os benefícios que vós receberíeis se estivésseis comungando em meu
lugar, como de fato o fareis.
“Minha Mãe, que tudo seja para reparar o vosso
Sapiencial e Imaculado Coração e pela conversão da Rússia.
“Assim seja”.
Mons João Clá Dias