quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Seriedade no exame de consciência


Pois em matéria de apuração de méritos e responsabilidades próprias, existe o princípio de que não se deve ser escrupuloso nem ter incertezas artificiais e ridículas sobre o que objetivamente se fez ou não. Tampouco devemos ter indecisões tontas acerca do conteúdo e da amplitude da regra pela qual se julga tal ou tal situação ou ato que se praticou.
Mas, afastado o terreno dos escrúpulos, quando cada um interpreta suas ações, entra o reino da severidade, magnífico, augusto, de cores sombrias, de um lilás profundo como o da mais escura das quaresmeiras, onde a pessoa se põe, não diante de suas próprias condições subjetivas, nem mesmo da opinião dos outros, mas tão-só face à infinita intransigência de Deus.
E não se pergunta a si mesmo se a imperfeição, a transgressão que pode ter tido a desventura ou a desgraça de cometer é algo maior ou menor na gama comum do pecado, da infidelidade ou, pelo menos, da negligência.
Não se indaga sobre isso, porque não importa. Nosso Juiz supremo não é o próximo, mas Aquele que está no Céu, sentado à mão direita de Deus Pai, donde virá para julgar os vivos e os mortos. E se muito provavelmente até alguns dos santos elevados ao mais alto da bem-aventurança eterna, gozando da glória dos eleitos, tiveram de passar pelo Purgatório, não podemos nós nos eximir de nos examinarmos com seriedade.
Vale dizer que nas chamas do Purgatório a alma tem dois lenitivos inenarráveis: primeiro, a certeza de que suas penas acabarão, desfechando no mar de uma felicidade sem fim. Segundo, tendo falecido em estado de graça, ela fica animada de uma intransigência parecida com a do próprio Deus, e se quer ali dentro, purificando-se, porque merece. Os fiéis vivos, por meio de orações, poderão obter que seus padecimentos sejam abreviados. Porém, na medida em que os insondáveis desígnios de Deus disponham o contrário, a primeira a desejar tal purificação é ela mesma.
Assim, é sob esta luz que devemos fazer nosso exame de consciência.
Sereis tanto mais íntegros no analisar, querer, fazer, e mais fiéis à graça que recebeis, quanto mais procurardes ser assim.
Cada um precisa ser inflexível juiz de si próprio, ávido das agravantes, procurando todas as circunstâncias que lhe possam escapar ao olhar, sabendo-se sempre suspeito de bonacheirice quando voltado para ele mesmo.
Além disso, cumpre existir almas que, em nenhum momento, por mais implacáveis que sejam consigo, duvidem de que Nossa Senhora intervirá com sua insondável bondade e muito nos dará, pois nosso caminho é o do Céu, pelo qual Ela nos conduz com sua maternal proteção.
Essa atitude é amor à justiça de Deus e confiança na sua misericórdia.
 Fazer um auto-julgamento assim, tereis, talvez, a impressão de que ele é excessivo.
Mas, se levardes em consideração que a própria Virgem Maria julgou- se culpada pela fuga do Menino Jesus para o Templo... Ela, que tinha recebido a Anunciação do Anjo e em cujo claustro imaculado se deu a Encarnação do Verbo; que trouxe ao mundo o Salvador e d’Ele recolheu os afagos na noite de Natal; que não se continha de adoração contemplando seu Filho crescer em graça e santidade diante de Deus e dos homens, achou que podia haver n’Ela algo que desagradara o Divino Infante!
Quem somos nós, pois, para não formarmos a nosso respeito hipótese semelhante? Quem de nós se atreve a se comparar com Maria Santíssima? A idéia nem pode passar pela nossa cabeça. Entretanto, Ela se julgou dessa forma, e nós não procederemos assim? Onde está a lógica? Onde a coerência?
Que o Santíssimo Sacramento e pelas mãos de Nossa Senhora a todos abençoe, e nos infunda este espírito de justiça e misericórdia. Amém.