Continuação dos comentários ao Pequeno Ofício de Nossa Senhora
Maria, vestida do sol divino
No seu
livro do Apocalipse, São João Evangelista se refere a “um grande sinal no céu:
uma mulher, vestida de sol” (XII, 1).
Aplicando
a Nossa Senhora essas palavras do Apóstolo virgem, assim se exprime São
Bernardo:
“Com
razão Maria nos é apresentada vestida de sol, porquanto penetrou, além de tudo
quanto podemos imaginar, o profundíssimo abismo da Divina Sabedoria. De sorte
que, tanto quanto o permite a condição de simples criatura, Ela, sem chegar à
união pessoal, parece totalmente imersa naquela inacessível luz, naquele fogo
que purificou os lábios do Profeta Isaías e no qual ardem os Serafins.
“Assim,
pois, de modo bem diverso mereceu Maria, não apenas ser tocada ligeiramente
pelo Sol divino, mas antes ser coberta com ele por todos os lados, banhada e
como que contida pelo mesmo fogo.
“Alvíssimo
é, na verdade, e também calidíssimo, o vestido desta mulher, da qual todas as
coisas se vêem tão excelentemente iluminadas, que não é lícito suspeitar haja n’Ela
nada, não digo tenebroso, mas nem sequer obscuro ou menos lúcido, nem tampouco
algo que seja tíbio ou sem o mais intenso fervor. [...]
“«Uma mulher, disse, vestida de sol». Sem dúvida coberta de luz, como de um vestido.
Para o homem sensual, isto não passa de uma leviandade, já que não é capaz de
compreender as coisas espirituais. Não pensava assim o Apóstolo, que dizia:
«Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo» (Rom. XIII, 14). Quão familiar d’Ele
fostes criada, Senhora! Quão próxima, quão íntima [d’Ele] merecestes ser
criada! Quanta graça achastes diante de Deus! Ele está em Vós e Vós, n’Ele; a
Ele vestis e por Ele sois vestida. Vós O vestis com a substância da carne e Ele
Vos veste com a glória de sua majestade. Vestis o sol com uma nuvem, e Vós
mesma sois vestida de um sol” 1.
O Pe.
Manuel Bernardes, por sua vez, celebrando a Assunção de Nossa Senhora, complementa
o pensamento do Doutor Melífluo:
“Como a
nuvem rara, diz o Santo, quando se põe diante do sol fica o sol vestido de
algumas sombras da nuvem, e fica a nuvem vestida de alguns resplendores do sol;
assim a Virgem Senhora, nuvem leve (como Lhe chamou Santo Ambrósio) se vestiu
da divindade, porque a divindade se vestiu de Maria Santíssima.
“E a
nuvem, sendo um vapor da terra, quando [é que se veste do sol? Quando sobe ao
céu por virtude do mesmo sol. Maria Santíssima sobe hoje ao Céu por virtude de
Deus e então aparece no Céu vestida do mesmo Deus: Apareceu no Céu uma mulher
vestida de sol.
“Maria
Santíssima, subindo ao Céu, toda está vestida de Deus. Seu rosto está vestido de
Deus porque nele se tratou de Deus sua benignidade; seus olhos estão vestidos
de Deus, porque são olhos misericordiosos; sua língua está vestida de Deus,
porque nela guardou Deus os favos de sua doçura e sabedoria; [...] as mãos
estão vestidas de Deus, porque tudo podem, e todos os seus tesouros por
elas correm; o coração está vestido de Deus, porque nele derramou Deus sua
bondade.
“A alma
está vestida ou transformada com Deus, porque, entre todas as puras criaturas,
tem a maior graça e a maior glória. Maria está cercada toda de sol, e se no
meio do sol pudesse haver sombra, até a sombra de Maria estaria vestida de
Deus, porque Deus Lhe fez sombra ao vestir-se de Maria” 2
1) BERNARDO. Obras Completas. Madrid: BAC,
1953. Vol. I. p. 726 e 728.
2) AS MAIS BELAS PÁGINAS DE BERNARDES: 2000 Trechos
selecionados por NUNES, Mario Ritter (Coord.). São Paulo: Melhoramentos, 1966.
p. 341.