Continuação dos comentários ao Pequeno Ofício de Nossa Senhora
Lírio entre espinhos
Comentário de São Tomás de Villanueva, com o
qual celebra ele a Assunção da Santíssima Virgem:
“«Quem
é esta que sobe do deserto, inebriada de delícias, apoiada sobre o seu amado?» (Cânt.
VIII, 5). São palavras dos Anjos, que se admiram da pompa, da glória, do fausto
da Senhora que ascende, e perguntam por Ela. [...] 0 deserto é este mundo,
porque, como diz Santo Agostinho, pelo deserto se designa a peregrinação desta
vida. [...]
“Quantos espinhos há
neste deserto! Agudos espinhos são as concupiscências da carne e seus ardis. Assim
o sentia o que dizia: «porque as tuas setas se me cravaram, e assentaste sobre
mim a tua mão. Não há parte sã na minha carne» (SI. XXXVII, 3-4). Santo
Agostinho chama setas às concupiscências depois do pecado. E não só a carne,
mas todo este mundo está cheio de abrolhos. Que são as riquezas, senão espinhos?
Recordemos o Evangelho (Le. VIII, 7): «Os espinhos sufocaram» a semente, e os
interpreta logo como [sendo] as riquezas. Que outra coisa são, senão espinhos,
as pompas, os cuidados do século, as ambições, os desejos? Portanto, o mundo
está cheio de espinhos.
“Disse Santo Agostinho:
os peitos vazios do temor de Deus e secos do Espírito Santo são comparados à
solidão de um inculto deserto. Pois antes da vinda de Cristo era um completo
deserto este mundo, e alheio a toda noção de Deus, de fé e de temor; coberto
dos espinhos do pecado, tornava-se áspero como um campo inculto, e não havia produzido
fruto algum, nem era fecundo em boas obras. Porém, os amantes deste século não
sentem estes espinhos, porque estão mortos para Deus e para o espírito. Disse
Jó (XXX, 7): «Tinham por delícia estar debaixo dos espinhos».
“Determina-te em teu
coração a [...] seguir a virtude e a verdade, e verás como ferem a alma e a
afligem estes espinhos, quando te vês forçado a deixar contra tua vontade muitíssimas
coisas que te atormentam com violência neste deserto.
A única que evitou os espinhos deste mundo
“Por isso se admiram os
Anjos de que suba [Maria] deste deserto, inebriada de delícias; que, em vez de
descer, atormentada, do lugar dos espinhos e se precipitar, ferida, no Inferno,
ascenda gloriosa aos Céus.
“Grande foi, certamente,
Abraão; sem embargo, o rico o viu no Inferno, [pois] próximo estava o que podia
ser visto. Grande foi também Jacob; porém quem disse (Gên. XXXVII, 35):
«Chorando descerei [...] ao Inferno 24»’? Grande foi também David, e disse, sem
embargo (Si. XVII, 6): «Dores de Inferno me cercaram». Todos estes, atormentados
pelos aguilhões dos espinhos, desceram com tristeza deste deserto aos Infernos.
“Por conseguinte, justo
é se maravilhar de quem seja esta tão pode rosa, tão sublime, que sobe do
deserto, do lugar dos espinhos, inebriada de delícias! Oh! Anjos! Só esta Virgem
evitou os aguilhões dos espinhos; só Ela permaneceu sem as feridas e os
incômodos dos mesmos, já que somente Ela é «como lírio entre espinhos, assim é
minha amiga entre as donzelas» (Cânt. II, 2), isto é, as almas santas. Se
percorrermos todo o Céu, todos dirão que sentiram estes espinhos. Confessa-o Pedro,
confessam-no Paulo, Isaías e o mesmo São João [Batista], que foi santificado no
seio de sua mãe. Escutemos a São João Evangelista, virgem (I Jo. I, 8): «Se
dissermos que estamos sem pecado, nós mesmos nos enganamos»"
Continua...
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