domingo, 9 de novembro de 2014

Como um lírio entre os espinhos

V Como um lírio entre os espinhos,
R. Assim a minha predileta entre os filhos de Adão
A Imaculada Conceição, lírio entre os espinhos
Acompanhemos o Pe. Tiago Nouet, jesuíta do século XVII, em seu brilhante comentário à passagem do Cântico dos Cânticos (II, 2), que deu origem ao louvor aqui tributado a Maria Santíssima. Assim se exprime aquele douto pregador:
“A concepção de todos os homens que nascem pela via ordinária da geração, é acompanhada de três grandes desordens, a saber: a privação da graça santificante que nos torna filhos de Deus; a privação da justiça original, que consiste numa perfeita subordinação da parte inferior à parte superior do homem; e um violento pendor que temos para o mal, unido à dificuldade que encontramos na prática do bem.
“Ora, a concepção da Bem-aventurada Virgem foi isenta de todos esses infortúnios, por um singular favor de Deus, que a distingue de todas as outras, e faz aparecer Maria entre os filhos dos homens, como o lírio entre os espinhos. Ela foi concebida no estado de graça, na justiça original, isto é, numa perfeita subordinação de todas as suas potências à razão, e desta a Deus. Ela foi concebida sem qual quer inclinação para o mal, e com uma forte tendência para toda sorte de bem. [...]
A única sem o labéu do pecado
“O lírio é belo em virtude de sua brancura; os espinhos não têm beleza alguma. É a primeira diferença entre a concepção da Bem-aventurada Virgem e a de todos os filhos de Adão, que nascem no pecado, cujo labéu os torna objeto de abominação diante de Deus. Porque ninguém está isento de mancha, nem mesmo o recém-nascido. Somente da Bem-aventurada Virgem pôde dizer o Espírito Santo: «Sois toda formosa; em vós não há mácula».
“Sois toda bela, não em parte, mas toda, sem exceção e sem reserva. Não há, portanto, nódoa alguma em Vós, nem de pecado venial, nem de pecado mortal, nem de pecado original. Nunca houve, e jamais haverá. Sois e sereis sempre cheia de graça. [...]
Isenta dos espinhos da concupiscência
“O lírio não tem nó, tudo nele é suave e liso, desde a haste até à flor. Os espinhos, pelo contrário, são rudes e picantes, furam e dilaceram quem os toca.
“É a segunda diferença entre a concepção da Bem-aventurada Virgem e a de todos os homens, que estão sujeitos aos picantes aguilhões da concupiscência, da qual Ela foi inteiramente isenta. [...]
“Com efeito, exigia a honra do Filho de Deus e a de sua Santíssima Mãe, que Esta tivesse um tal domínio sobre suas paixões, e que a par
te inferior de sua alma fosse de tal maneira submissa à razão que, não só não cometesse Ela pecados atuais, mas também que não pudesse pecar. [...j .
“Admirai, pois, o privilégio de Maria que, única, recebeu este singular favor: n’Ela nunca reinou nem habitou o pecado. [...]
Fortíssima inclinação para o bem e completa aversão ao mal
“O lírio é aprumado e se eleva muito alto. Não há flor que tende a se afastar mais da terra, enquanto que os abrolhos e os espinhos nesta rastejam.
“É a terceira diferença entre a concepção da Bem-aventurada Virgem e a do comum dos homens, que o pecado original abandona como vítima à cegueira do espírito, à malícia do coração, à fragilidade da carne, ao desregramento das paixões e à desordem dos sentidos e da imaginação, donde nascem este pendor que temos para o mal e a dificuldade que sentimos na prática da virtude, este apego que temos à Terra, e o trabalho que nos custa o dirigir nossos pensamentos às coisas celestes. Porém, a plenitude da graça que a Bem-aventurada Virgem recebeu no momento de sua concepção tinha dois efeitos inteiramente opostos. Esta Lhe dava uma suavíssima e fortíssima inclinação para o bem, e uma extrema aversão ao mal; um maravilhoso pendor para o Céu, e um perfeito desapego de todas as coisas da Terra. Pois, como diz São Tomás, pode-se considerar a santidade, enquanto nos aproxima de Deus, e é a caridade; ou enquanto nos afasta do mal, e é a pureza. Uma e outra existiram em Maria num grau eminente, mas com esta diferença: que Ela podia crescer em caridade até ao último suspiro de sua vida; porém, quanto à sua pureza, estava Ela no último grau de excelência, e, abaixo de Deus, não podia haver maior” 1
Glória do jardim de espinhos
Assim, compreendemos o cântico do monge e poeta medieval, Adão de São Vítor:
“Salve, pois, ó Mãe do Divino Verbo, Flor que brotou entre os espinhos, sem espinho; glória do jardim de espinhos, O espinheiral, somos nós; fomos ensanguentados pelos espinhos dos pecados. Mas, para tua pessoa, não existem espinhos” 2
Lírio que nunca foi espinho
E Santo Afonso de Ligório, comentando a invocação Mater purissima, da Ladainha Lauretana, escreve: “Esta Virgem Mãe ... é chamada lírio entre os espinhos. Todas as outras virgens, diz Dionísio o Cartuxo, são espinhos, ou para elas mesmas ou para os outros; mas a Bem-aventurada Virgem nunca foi um espinho, nem para Ela, nem para os outros, pois a todos os que A fitavam, Ela só inspirava sentimentos puros e santos. Além disso, o autor que escreveu a Vida de São Tomás de Aquino, relata que o santo Doutor dizia que as próprias imagens de Maria extinguem os ardores da concupiscência naqueles que as contemplam com devoção. E São João de Avila atesta que muitas pessoas, tentadas contra a castidade, conservaram-se puras pela devoção a Maria” 3
1) NOUET, Tiago. L’Homme d’oraison, Méditation pour le jour de la Conception Immaculée de la B. Vierge. Apud JOURDAIN, Z.-C. Somme des Grandeurs de Marie. Paris: Hippolyte Waizer, 1900. Vol. V. p. 92-95.
2) SÃO VÍTOR, Adão de. Prosa per l’Assunzione della B. M. V Apud ROSCHINI, Gabriel. Instruões Marianas. São Paulo: Paulinas, 1960. p. 133.

3) LIGÓRIO, Afonso Maria de. Oeuvres Complètes. 10. ed. Tournai: Casterman, 1880. Vol. VIII. p. 180.