Natividade de Nossa Senhora
8 de setembro
Considerações de Plinio Correa de Oliveira sobre o aniversário de Nossa Senhora, baseada na leitura de um trecho do livro Mística Cidade de Deus de Soror Maria de Ágreda.
Segundo Soror Maria de Ágreda,
depois que Nosso Senhor subiu ao Céu e que Nossa Senhora ficou só na terra, Ela
começou a organizar aos poucos a sua vida. Ela morou na cidade de Éfeso durante
bastante tempo, com São João Evangelista. Momentos antes da morte, “ao ver Sua
Mãe e junto dela o discípulo que Ele amava, Jesus disse à Sua mãe:” “Mulher,
eis aí o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis aí a tua Mãe” (Jo 19,
26-27). A partir daquele momento, São João Evangelista aceitou-A como sua Mãe e
tinha com Ela todas as atenções, todos os cuidados, etc., que Nosso Senhor
teria. Quer dizer, ele era sumamente devoto a Nossa Senhora, sumamente bom para
com Ela, atencioso, respeitoso, venerador.
Então, moravam juntos e
Ela começou a organizar Sua vida cotidiana, já não mais participando da vida terrena de Nosso Senhor,
gloriosamente encerrada com Sua Ascensão aos Céus, mas participando, pela
lembrança e pela recordação, de tudo quanto tinha sido a vida de Nosso Senhor.
Ela era uma tocha ardente de saudades, de adoração, de ação de graças, de
reparação e de petição contínua a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Então, nesse organizar a
vida dEla, com o correr do tempo Ela foi se lembrando das datas... Ela era
concebida sem pecado original e tinha, portanto, a memória perfeitíssima, além
do fato de ser, por Sua natureza, inteligentíssima, e além do fato de ser auxiliadíssima
pela graça. Ela foi se lembrando das datas dos principais acontecimentos da
vida dEla e de Seu Divino Filho.
Os principais
acontecimentos da vida dEla não eram calculados como os de qualquer um. Vamos
dizer, para um rapaz de hoje: "Matriculei-me na faculdade em tal data,
ganhei uma bicicleta em tal outra data..." Não é isso. As verdadeiras
datas da vida de um homem são as datas em que ele serviu a Nossa Senhora de um
modo mais insígne, pelo apostolado, pelo sofrimento ou pela oração. Ou em que
Nossa Senhora lhe deu graças especiais. Estas são as verdadeiras datas da vida
de um homem.
Ao lembrar-se das várias
datas e, quando era o dia de um desses acontecimentos, Ela o comemorava com
cerimônias especiais, no seu quartinho, porque a Igreja ainda não estava
organizada com edifícios sacros.
Uma bela ideia nós
procurarmos ver como é que Nossa Senhora celebrava a data de Seu próprio nascimento e como Nosso Senhor se fazia presente, ajudando a celebração.
Comentários aos trechos
de sóror Maria de Ágreda
"A festa em memória de Seu nascimento,
Nossa Senhora a celebrava a 8 de setembro. E Ela começava a primeira
noite" - quer dizer, a noite de 7 para 8 - "com os mesmos
exercícios, prostrações e cânticos que no dia da Imaculada Conceição".
A Imaculada Conceição é
o dia em que Ela foi concebida sem pecado original no ventre puríssimo de
Sant'Ana, quer dizer, em que Ela começou, portanto, a ser. O nascimento é o dia
em que Ela começou a ser para o mundo. A concepção e o nascimento são fatos
correlatos. O nascimento é o fruto, é o auge de um processo fisiológico, que
começa com a concepção; de um processo fisiológico e, no caso dEla, de um
processo espiritual. Porque, como Ela foi concebida sem pecado original, desde
o primeiro instante de Seu ser, teve uso da razão. E, embora, vivendo internamente
em Sant' Ana, sua mãe, Ela já raciocinava, já pensava elevadíssimamente,
sublimíssimamente, pelas graças que Deus Lhe dava, pelas revelações que Deus
Lhe fazia, etc.
Quando Ela nasceu - saiu
do claustro materno - já veio com toda uma etapa da vida espiritual altíssima
percorrida, com todo um processo de santificação já efetuado. E as coisas foram
calculadas de tal maneira que, no momento em que pelas leis da fisiologia, o
corpo dEla devia abandonar o claustro materno, nesse momento a alma dEla tinha
realizado todos os progressos que naquela fase da vida espiritual Ela deveria
realizar. Assim, Ela nasceu para a terra como um sol.
E por isso Ela, que na
Imaculada Conceição, celebrava a festa por meio de uma série de prostrações, de
orações e de cânticos, Ela repetia essas cerimônias no ato de Seu nascimento. Vejam como tudo é racional, como tudo é lógico, como tudo mostra a suma
sabedoria de Nossa Senhora. Que ensinamento isso contém para nós?
É sermos razoáveis,
sermos lógicos, sermos coerentes em tudo, fazermos tudo como Nossa Senhora manda,
como Nossa Senhora pede. Isto é o que nós devemos fazer, fazer com
tranquilidade, com serenidade, com entrega plena.
Imaginem como seria, na
casa pequena deles, Nossa Senhora com o quarto fechado, rezando, e ora se
levantando, ora se ajoelhando, e de vez em quando cantando. Podem
imaginar se houve na terra cântico tão belo, tão majestoso, tão doce, tão suave
quanto o cântico de Nossa Senhora para Deus! Pode na terra ter havido alguma
melodia igual a essa? Absolutamente não. Imaginemos do lado
de dentro, Nossa Senhora serena, séria, recolhida e, às vezes no auge do
entusiasmo, cantando. Ou no auge da humildade, Se prostrando; ou no auge da
dignidade, Se levantando.
Podem imaginar,
do lado de fora da porta, São João Evangelista trabalhando e, de repente,
ouvindo um cântico de Nossa Senhora... Vamos dizer, Ela mesma cantar o
Magnificat! Ele quieto ouvindo, sem saber o que dizer, e depois continua a
trabalhar. Mas com a alma em que situação?
Devotíssimo de Nossa
Senhora, qual deveria ser a repercussão disso na alma de São João. Casinha
pequena e, portanto, com os aposentos à pequena distância da rua. Passando os
pagãos pela rua, de repente um ouve um cântico, pára, e fica com a alma
tocada. No dia seguinte, ele encontra São João e diz: "Disseram-me que sua
Mãe, ou sua Tia, canta de um modo admirável e, eu não sei... essa noite eu não
pude dormir de alegria. Você não poderia me levar um dia para ouvi-La
cantar?" São João, na dúvida, diz: "Por uns instantes sim". O homem
entra e ouve um pouco da voz de Nossa Senhora, e sai inebriado. Dias depois
está batizado. Foi uma modulação de voz de Nossa Senhora que converteu essa
alma mais profundamente do que todos os sermões do mundo!
Tudo o que se relaciona
a Nossa Senhora é absolutamente excepcional e único.
Continua Soror Maria de
Ágreda.
"Agradecia a Deus por ter nascido à
luz deste mundo e pelo benefício que então recebeu de ter sido elevada ao Céu e
ter visto a Divindade intuitivamente, como eu disse na primeira parte em seu
lugar".
Que coisa admirável foi
o nascimento de Nossa Senhora! Ela é tão santa e tão predileta em relação a
todas as criaturas, que Ela abriu os olhos para a terra e, em seguida, viu a
Deus. Que entrada na vida! O que não é o ápice da vida da imensa maioria das
pessoas, foi o começo da vida dEla. De tal maneira Ela está acima de tudo e de
todos, sem nenhuma comparação com ninguém, com absolutamente ninguém, que não
há comparação possível em relação a Ela.
Depois, continua:
"Propunha novamente empregar toda a Sua vida no maior serviço e agrado do
Senhor, pois sabia que lha dava para este fim."
Quer dizer, quando Ela
viu Deus, pediu para passar a vida dEla inteira no agrado e no serviço dEle. E
isso, repetia-se em cada aniversário. Ela agradecia o nascimento, essa visão, e
pedia que o resto da Sua vida passasse no agrado e no serviço dEle. Ela, que
era confirmada em graça, concebida sem pecado original, sabia que era Mãe de
Deus e que tinha Ela mesma tido em Si durante nove meses, Nosso Senhor Jesus Cristo, Ela
em cujo peito jamais cessava a Presença Real - Ela comungava e as Sagradas
Espécies se mantinham incorruptas até a Comunhão seguinte, Ela era portanto um
sacrário - Ela tinha uma noção tão profunda da humildade da condição humana,
que pedia a Deus isto: que Ela passasse a vida inteira servindo-O e atraindo
para Si o agrado dEle. Com isso Ela ficaria satisfeita.
"E agradecia o fato de que ao entrar
na vida, já ultrapassara em merecimentos aos supremos santos e serafins. E propunha,
ao aproximar o termo de sua existência, de trabalhar como se fosse o primeiro
em que começava a prática da virtude. Tornava a pedir ao Senhor que A ajudasse,
governasse todas as Suas ações, encaminhasse ao mais alto fim de Sua
glória".
A oração dEla era: "Meu
Deus, Meu Filho, Meu Senhor, Eu sei que desde o primeiro instante de Minha
vida, Vós Me destes mais graças até do que aos Serafins. Mas, que este Meu
aniversário seja como que um novo nascimento. E que Eu com forças renovadas e
com um amor ainda maior, Vos sirva ainda mais durante este ano de vida que Vós
Me dais, porque Eu quero crescer no Vosso amor continuamente. Não há o que me
baste, não há ponto em que eu queira parar".
É assim que se deve
rezar.
Continua:
"Nessa festa não era levada ao Céu,
como no dia de sua concepção, entretanto, Seu Filho descia do Céu para o quarto
onde Ela estava rezando".
Quer dizer, quando a
oração se tornava provavelmente, especialmente intensa, Nosso Senhor descia. E era
tão natural, tão explicável, tão razoável... Qual é o filho que não visita a
sua mãe no aniversário? Era o aniversário dEla. O Filho era Ele. Ele baixava do
Céu, e naquele cubículo pequenininho de uma casinha insignificante, de uma
cidade pagã, o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo vinha. Podem imaginar a
alegria dEla, as saudades dEla, o afeto com que Se tratavam Face a Face! Era o
auge da festa que começava. O anterior era preparações da festa.
Na véspera, Ela Se
preparava, no dia Ela começava essa oração sublimíssima que nós dissemos. Como auge, vem Nosso Senhor visitá-La. Não é o único auge, vão ver que
essa festa tem dois auges complementares, dois auges que se fundem num só auge,
sumamente lógicos, verdadeira maravilha!
Continua a exposição:
"Ele vinha acompanhado por muitos
coros de Anjos, com os antigos Patriarcas e Profetas e, assinaladamente, com São
Joaquim e Sant' Ana, os pais dEla, e São José, o castíssimo esposo dEla".
O que significa dizer
"acompanhado por muitos coros de Anjos”?
Houve uma santa a quem apareceu
o Anjo da Guarda. Os Anjos da Guarda, nas hierarquias celestes, são dos menos
altos. Era tal o esplendor do Anjo da Guarda que, quando apareceu, ela se
ajoelhou, pensando que fosse o próprio Deus. Agora, podem imaginar, várias
hierarquias de Anjos, todos enchendo a sala, e cantando em louvor a Ela,
em união com os louvores de Nosso Senhor Jesus Cristo, a harmonia que isso
deveria fazer!
E depois, todo o Antigo
Testamento ali presente diante dEla: os Patriarcas, os Profetas, todos os
justos mais insignes de que a Bíblia nos fala na Antiga Lei e, especialmente,
os Seus pais e o esposo. Podem imaginar a alegria de Sant' Ana, de
São Joaquim e de São José prestando homenagens a Ela. A alegria dEla em
revê-los, a satisfação que tinha em estar com cada um deles. E, sobretudo, pela
presença de Nosso Senhor Jesus Cristo, fonte insondável, absolutamente
insondável porque infinita, de toda alegria que um homem pode ter. A presença
de Nosso Senhor Jesus Cristo é a fonte absoluta da alegria absoluta! Ali estava
Ele se associando àqueles louvores e dizendo coisas a Ela.
Imaginem, por exemplo,
que ele Lhe dissesse algumas das invocações da Ladainha Lauretana: Mater
purissima, Mater castisssima, Mater inviolata, Mater amabilis, Mater
admirabilis, etc., etc. Todas essas coisas que em nossos lábios são tão pouco,
nos lábios dEle que sonoridade teriam! E que repercussão tinha em Sua alma!
Como deveria ficar inundada de alegria e unidíssima ao Filho enquanto ouvia tudo isso. Percebemos aqui, a grandeza dEla, da santidade e da perfeição
dEla pelo modo em que contemplava a
celebração do Seu aniversário.
Continua a naração de
Soror Maria de Ágreda:
"A mais pura entre as criaturas, em
presença dAquela celestial companhia, adorava a Deus com admirável reverência e
culto, e de novo Lhe dava graças por tê-La trazido ao mundo e os favores que
para isso fizera”.
É a reação normal de
toda pessoa que quer ter uma boa vida espiritual, e que recebe um elogio. Não é
deleitar-se com esse elogio, como um guloso se deleita com uma bala ou com um
cálice de um licor delicioso, gotinha por gotinha, mas é o contrário. É
imediatamente dar glória a Deus. Porque como tudo o que nós temos de bom vem de
Deus, a pessoa proba e fiel que recebe um elogio diz imediatamente: "Magnificat! Magnificat anima mea
Dominum!" Quer dizer, minha alma engrandece o Senhor e o meu espírito
exulta em Deus meu Salvador. É por esta forma que Ela dava a ação de graças
dEla.
"Logo ao Anjos
faziam o mesmo e cantavam dizendo: "Nativitas
tua", etc. O que quer dizer: "Teu nascimento, ó Mãe de Deus,
anunciou a todo o universo grande alegria, porque de Ti nasceu o Sol da
Justiça"... -- quer dizer, o Sol de Virtudes, o Sol de Santidade -- "Nosso Deus".
"Os Patriarcas e Profetas também
entoavam cânticos de glória e agradecimento. Adão e Eva, presentes na sala,
agradeciam a Ela, porque dEla tinha vindo a reparação pelo pecado deles. E os
pais e o esposo da Rainha, porque Deus lhes tinha dado tal Filha e tal
Esposa".
"E logo" – é o
complemento da festa – "e logo o
Senhor levantava a Mãe Divina da terra onde Ela estava prostrada"... --
Quer dizer, com todas essas presenças dentro da sala, Ela se prosternava no chão,
por veneração -- "... e A colocava à Sua direita. E naquele lugar lhe
manifestava novos mistérios com a vista da Divindade que, se bem que não era
intuitiva e gloriosa, era abstrativa, com maior claridade e aumento da divina
luz".
É a hora do presente. Vejam
como tudo está bem calculado. Então, é a preparação, depois começa a festa com
as orações, depois é um primeiro auge: Nosso Senhor desce. Ela agradece com
todo o transe de Sua alma e com toda humildade. Passamos a um segundo auge:
Nosso Senhor A glorifica. Ele A coloca sentada ao lado dEle, Ela que estava no
chão e - está disto no Magníficat, "deposuit
potentes de sede et exaltavit humiles, depôs dos seus tronos os potentados e
levantou os humildes", que no chão se curvam diante de Deus - coloca-A ao
lado e dá o presente de aniversário. Qual poderia ser esse presente de
aniversário?
Poderiam objetar:
"Mas o presente já está dado, Ela viu a Nosso Senhor Jesus Cristo, é um
presente exuberante!"
Mas a coisa é
profundíssima. Para uma alma que ama a Deus, o verdadeiro presente é conhecer
algo de novo a respeito de Deus, e amar algo de novo em Deus. É o único
presente verdadeiro. Porque o próprio do presente é trazer algo de novo. Não é
trazer algo de velho. Imaginem, por exemplo, uma pessoa que tem na casa um
objeto na parede muito bonito, que o rapaz viu a vida inteira pendurado na
parede. Presente de aniversário, os pais dizem para ele: "Olha, isso agora
é seu, mas vai continuar ali na parede". Agora, se trazem um objeto de
fora, um objeto novo, aí há a sensação do presente. O presente tem que ter algo
de novo.
E para Nossa Senhora só
uma coisa tinha valor, e só uma coisa, portanto, era o presente. Qual era o
presente? O presente era saber algo de novo de Deus. Então, Nosso Senhor Jesus
Cristo sentado ao lado dEla, Ele mesmo revelava novidades a respeito de Deus,
portanto a respeito de Si mesmo, porque Ele é a Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade. Ele Lhe revelava algumas coisas novas.
Ela tomava um novo grau
de santidade. Parece incrível, mas Ela foi progredindo a vida inteira. Novo
grau de santidade! A alegria, a compreensão, o afeto, o agradecimento! Como Ela
se sentia cheia de riquezas com esse mero presente espiritual! Era a festa que estava atingindo o seu auge.
Primeiro, o Filho que vem visitar a Mãe, segundo, o Filho que coloca a Mãe ao
Seu lado e, por exemplo, A orna com um lindo colar de brilhantes, ou então com
um estupendo diadema: "Aqui estão, Minha Mãe, novas verdades a respeito da
essência divina". Ela estática, ouvindo...
É ou não verdade, que, na trivialidade da vida de todos os dias, não se compreende que esse assunto possa ter essa elevação. E
isto nos ajuda a conquistar, um pouco pelo menos, o amor às coisas
sublimes e elevadas, que deve caracterizar o verdadeiro escravo de Nossa
Senhora. Gostar do que é elevado, gostar do que é sublime, não compactuar com
aquilo que é vulgar, com o que é rasteiro.
Essa é uma lição de sublimidade verdadeiramente admirável, dada por Maria de Ágreda.
Continua
Transcrição de uma reunião proferida por Plinio Correa de Oliveira em 8/09/1975, sem revisão do autor.