Continuação dos Comentários ao Pequeno Oficio da Imaculada Conceição - Mons João Clá Dias
Convinha, pois, certamente, que a Mãe de tão nobre Filho
Não tivesse de Eva a mancha, e resplandecesse com todo o
brilho.
Incomparável
brilho da Imaculada Conceição
Conta o Pe. Bernardes que “a um servo de Deus (João
Brebêncio, da Companhia de Jesus), que mereceu a auréola do martírio, e era devotíssimo
da Virgem Santíssima, se dignou a mesma Senhora aparecer acompanhada de tantas
virgens, que pareciam inumeráveis. Estavam todas postas por sua ordem em um vastíssimo
e altíssimo monte, indo decrescendo no número, conforme o monte se ia
estreitando piramidalmente, até que no supremo cume dele estava unicamente a soberana
Virgem das virgens. E deste lugar só, único e solitário entre tanta multidão de
almas puras, Lhe resultava uma glória incomparável.
“Assim — infere o Pe. Bernardes —, podes tu, alma
minha, considerar e gozar-te da glória da Senhora, que, entre a multidão quase infinita
dos filhos de Adão, Ela seja a única que ocupa o ápice da pirâmide, sendo
preservada da mácula que todos incorreram e de que neste espesso bosque das
gerações humanas, este só ramo de ouro cintile tanto com os resplendores da
divina graça desde o primeiro instante de sua natureza”
Sim, “o brilho da luz eterna resplandeceu nesta
simples criatura, que, por uma perfeita virgindade de coração, uma singular
continência de espírito única entre todas, conservou pura e sem mancha a imagem
do Senhor” 1
Convinha
à dignidade de Mãe de Deus uma alma imaculada
Esse admirável fulgor com que o Padre Eterno revestiu
a Imaculada Conceição, tem por principal motivo a escolha da Santíssima Virgem
para Mãe de seu Filho unigênito, como afirma Fr. Luís de Granada:
“Que uma alma encerrada num corpo sujeito a tantas
misérias e cercado de tantos sentidos, passe a voar sobre todos os Anjos em perfeição,
e seja mais pura que as estrelas do Céu, isto é coisa de grande admiração.
[...]
“Pois tal convinha que fosse, e sobremaneira convinha
que nascesse aquela que ab æterno era escolhida para ser Mãe de Deus. Por que
costume é de Deus adequar os meios aos fins, ou seja, fazer tais os meios quais
competem para a excelência do fim para que os instituiu.
“Pois como Deus escolhesse esta benditíssima Virgem
para a maior dignidade de quantas há debaixo d’Ele, que é para ser Mãe do mesmo
Deus, assim convinha que Lhe desse o espírito, a santidade e a graça
proporcionadas à excelência desta dignidade. Donde, assim como aquele templo
material de Salomão foi uma das mais famosas obras que houve no mundo, porque
era casa que se edificava não para homens, senão para Deus, assim convinha que
este templo espiritual onde Deus havia de morar fosse uma perfeitíssima obra, pois
para tal hóspede se aparelhava.
“Porque, como convinha fosse a alma que o Filho de
Deus havia tomado por especial morada, senão cheia de toda a santidade e pureza?
“E como convinha fosse a carne da qual havia de tomar
nossa natureza o Filho de Deus, senão livre de todo o pecado e corrupção? Porque
assim como o corpo daquele primeiro Adão foi feito de terra virgem antes que a
maldição de Deus caísse sobre ela, como sucedeu depois do pecado (Gên. II, 7), assim convinha fosse
formado o corpo do segundo [Adão] de outra carne virginal, livre e isenta de
toda maldição e pecado” ‘.
A
honra e a nobreza do Filho exigiam uma Mãe imaculada
A sentença que acabamos de considerar é comum entre os
autores eclesiásticos, como superiormente nos demonstra Santo Afonso de Ligório.
Escreve o Fundador dos Redentoristas:
“Assim fala São Bernardo à Senhora: Antes de toda
criatura fostes destinada na mente de Deus para Mãe do Homem-Deus. Se não por outro
motivo, pois ao menos pela honra de seu Filho, que é Deus, era necessário que o
Pai Eterno A criasse pura de toda mancha. [...]
“Como é sabido, a primeira glória para os filhos é
nascer de pais nobres. «A glória dos filhos (são) os seus pais» (Prov. XVII,
6).
“Por isso, na sociedade menos mortifica passar por
pobre e pouco formado, do que ser tido por vil de nascença. Pois com sua
indústria pode o pobre enriquecer, e o ignorante fazer-se douto com seus estudos.
Mas quem nasce vil, dificilmente pode nobilitar-se, [e] ainda que o consiga,
está exposto a ver que lhe atirem em rosto a baixeza de sua origem.
“Deus, entretanto, podia dar a seu Filho uma Mãe
nobilíssima e ilibada da culpa original. Como então admitir que Lhe tenha dado
uma manchada pelo pecado? Como dar a Lúcifer o ensejo de exprobar ao Filho de
Deus a vergonha de ter nascido de uma Mãe que outrora fora escrava sua e
inimiga de Deus? Não; o Senhor não lho permitiu. Proveu à honra de seu Filho,
fazendo com que Maria fosse sempre imaculada. Assim A fez digna Mãe de tal
Filho, como testemunha a Igreja Oriental.
1) LE MULIER, Hen. De la Très-Sainte d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de l’Eglise. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 24.
1) LE MULIER, Hen. De la Très-Sainte d’aprés les Saintes Écritures et les Pères de l’Eglise. Paris: Pilon, 1854. Vol. I. p. 24.