domingo, 13 de maio de 2012

Meiguice e bondade extremas

Um fato ungido pelo perfume dos antigos tempos em que a Fé predominava nas almas,  tocou-me  de  modo  especial, e merece  ser por nós comentado. O episódio milagroso ocorreu  em Prato, na Toscana,  em 1484, e dele originou-se a expressiva invocação de Nossa Senhora das Prisões.
Numa certa manhã  daquele  ano, um   menino   sentiu-se   atraído   por uma cigarra  e correu  atrás  dela, até se deter diante do muro da prisão de Prato,  no qual se achava estampado lindo quadro  da Santíssima Virgem.
Esta é, aliás, uma das belas  coisas a se admirar  na Itália:  as pinturas  e  imagens  da  Madonna,  expostas um pouco por toda parte, em Roma e noutras  cidades  italianas.  Nos ângulos externos das casas, sobre as portas ou no centro das fachadas, de repente o transeunte se surpreende com um oratório desses, ornado de flores, sob as refulgências de pitoresco lampadário, etc. É  algo  deveras estupendo.
No quadro em questão, a Virgem trazia em seus braços  o Menino  Jesus, que,  por  sua vez, segurava  nas mãos uma flor e um passarinho. Subitamente, para o maravilhamento da criança que a contemplava, a imagem começa a tomar vida, a animar-se. Nossa Senhora desce do muro, deposita no chão seu Filho e este se põe a brincar com o passarinho, diante do olhar  atônito  do pequeno italiano. Aquela cena extraordinária é então tocada por um raio de sol que abre uma passagem para o interior da prisão. Seguindo-o, entram a Santíssima Virgem, o Divino Infante e o bambino. Nossa Senhora percorre várias celas obscuras e as ilumina à sua passagem.
Terminada essa indescritível visita, Mãe  e Filho,  sempre  acompanhados pelo menino, deixam o recinto do cárcere e retomam sua imobilidade original no quadro  suspenso ao muro.
Esse milagroso espetáculo se renovou diversas vezes, diante de uma multidão de fiéis que viram assim confirmada sua devoção à Rainha do Céu e da Terra. Consta que o fato foi relatado pelo bispo local ao Príncipe Lourenço de Médici, quem fez construir em Prato magnífica igreja, um dos mais belos monumentos italianos do século XV.
O episódio é em extremo gracioso, e nos fala, de modo ímpar, da benignidade e da bondade de Nossa Senhora. A cena inicial já nos encanta: um bambino, daqueles gorduchos, mas, ao mesmo tempo, tão vivaz que não parece sujeito à acção da gravidade, e por isso esvoaça por todos espaços que encontra diante de si, correndo ao longo do muro de uma prisão, atrás do quê? De uma cigarra... Que cena sumamente pitoresca!
Outro aspecto digno de nota: na muralha de uma penitenciária, do lado de fora, sorri uma imagem de Maria Santíssima com seu Divino Filho. Então é o contraste maravilhoso entre o vulto austero e duro de uma prisão e a afabilidade materna da Virgem aconchegada naquele muro. E os muros italianos constituem um encanto à parte: alguns por assim dizer leprosos, de pedras tão velhas, tão escangalhadas por toda sorte de tempestades, lavradas de um modo tão bruto que se diria estarem morrendo, mas... lindíssimas! Por sobre elas, ou se estendendo pelo seu corpo, crescem vinhas que frutificam em uvas apetitosas; o sol se deleita em  aquecê-las,  dando  ensejo a que se produzam atraentes sombreados em volta delas. E aí temos o panorama de um tal milagre.
O menino se esquece da cigarra e se detém diante da imagem de Nossa Senhora.  E a Virgem começa a se mover... O pequeno Jesus brinca com um passarinho, e podemos  imaginar com que  delicadeza,  com que candura  e vivacidade! Ele, o criador, se compraz em se divertir com a sua criatura. Tudo isso fornece  elementos para recrear  e extasiar a piedade dos homens.
De repente, um raio de luz transpõe as rudes muralhas da prisão e leva atrás de si o passarinho, o Menino Jesus, Nossa Senhora, o bambino. Todos entram no cárcere, e aquelas soturnas penumbras vão sendo iluminadas pela passagem da Mãe de Deus, provavelmente tocando  os corações  dos presos e os libertando, a uma vez, do castigo e do vício.
Eis, portanto, um fato encantador que nos apresenta Nossa Senhora enquanto extremamente meiga, doce, que socorre os indivíduos mais distantes d’Ela, os menos afortunados, mais pobres e mais abandonados. Mãe de todos os homens, Ela sempre encontra a forma, o jeito, a circunstância, enfim, artes maravilhosas para protegê-los, ampará-los, salvá-los.