Comentários de Plinio Correa de Oliveira a respeito da confiança em Nossa Senhora
Alguém me pediu para comentar o
seguinte lema afixado na Universidade de Sorbonne durante seus dias de
agitação:
“Seja realista, exija o
impossível.”
Mesmo defendendo a pior das
causas, há nesta frase o inegável talento francês.
Em primeiro lugar, devemos nos
perguntar: esse lema é correto ou não? Em face dele, dividem-se duas famílias
de almas: uma constituída pelo espírito geométrico, e outra, pelo espírito de
finesse.
O espírito geométrico é contra
uma afirmação dessas. Para ele, é próprio da utopia exigir o impossível. Logo,
é um absurdo dizer: “seja realista, exija o impossível”. Pelo contrário, diria
alguém desta corrente, “seja realista, exija o possível”; ou então, “seja
realista, e não exija o impossível”.
Porém, as pessoas que têm o
espírito de finesse compreendem o significado desta afirmação. Ou seja, esta
espécie de contradição berrante, que é exigir o impossível, aqui quer dizer o
seguinte: esse impossível vem psicologicamente entre aspas.
Impossível para o medíocre... Possível para o fogoso!
Há coisas impossíveis para os
indivíduos “pocas”1, cujos horizontes são limitados e circunscritos, e que por
isso facilmente desanimam diante de lances qualificados de impraticáveis, mas
que na verdade não o são.
Porém, há homens com inteira
noção da realidade, os quais pensam:
“Vocês, moles, pensam ver a
realidade, mas na verdade estão apenas na superfície dela. A profundidade da
realidade, bem analisada, mostraria haver mil coisas aparentemente impossíveis
para os espíritos sem ‘chama’; mas, para os que têm ‘chama’, são possíveis. A
‘chama’ torna possíveis coisas aparentemente impossíveis.”
A História está cheia de
exemplos dessa natureza. Quem vai a Barcelona e visita fac-símiles das naus de
Cristóvão Colombo tem um exemplo disso: verdadeiras cascas de noz, com as quais
se teria medo de atravessar a represa de Santo Amaro...
Entretanto, eles vieram até a
América. E, exatamente no momento em que se planejava uma revolta a bordo —
Cristóvão Colombo estava diante de uma revolta dos “pocas” que julgavam impossível
atingir o objetivo, porque afinal de contas, nunca se chegava — alguém gritou:
“Terra à vista!”
Quer dizer, estava-se chegando
precisamente no momento em que o “impossível” para os medíocres tinha se
tornado possível. Contudo, este é um fato natural.
Impossível até na ordem natural...
Do lado sobrenatural isto é
muito mais bonito, muito mais rico. E a riqueza está no seguinte: quando Nossa
Senhora quer algo, Ela o realiza contra todas as esperanças e aparências; mesmo
o impossível para os grandes homens é possível para Nossa Senhora, porque a
oração d’Ela é onipotente, Ela obtém de Deus absolutamente tudo quanto Ela
quer.
De maneira que, muitas vezes,
nós devemos tentar coisas não só impossíveis para os “pocas”, mas impossíveis
também na ordem natural das coisas. Devemos exigir o impossível de nós mesmos,
porque Nossa Senhora nos dará.
Mas, como podemos ter certeza
se Nossa Senhora dará ou não?
O Livro da Confiança2 começa
com as magníficas palavras: “Voz de Cristo, voz misteriosa da graça, vós
murmurais no fundo de nossas consciências palavras de doçura e de paz.”
Realmente, nós temos uma voz
interior que não fala, não usa palavras, mas se comunica conosco pelo movimento
dos pressentimentos, das virtudes, das consolações da alma, e nos indica o que
Nossa Senhora quer de nós.
Muitas vezes esta voz quer de
nós algo impossível, mas devemos crer no incrível, abordar o inabordável,
meter-nos a transpor o intransponível, porque do outro lado está Nossa Senhora.
“Nunca em minha vida eu fui decepcionado nesta posição interior de
alma”
Como podemos diferenciar o
sinal interior dado por Nossa Senhora de uma simples fantasia?
É muito fácil: se um
determinado movimento de alma nos leva à virtude; se esse pressentimento de
alma não satisfaz o nosso amor-próprio, certamente vem de Nossa Senhora.
Ele pode não se realizar como
imaginamos, mas seguramente ele acaba se realizando. E é este o modo pelo qual
nós podemos ouvir esta voz de Cristo, voz misteriosa da graça, dizendo a nossas
almas palavras de doçura e de paz.
Poderá haver ocasiões em que
sobrevenham movimentos de desânimo por estarmos numa situação sem saída. Apesar
disso, teremos um pressentimento interno de que Nossa Senhora resolverá a
situação.
Nunca em minha vida eu fui
decepcionado nesta posição interior de alma. E eu já estou com cinquenta e nove
anos e meio. Nunca eu dei crédito a esse movimento interior da alma, e depois
tive uma decepção. Nunca, nunca, nunca!
Isto não quer dizer que muitas
coisas não tenham demorado além do imaginado por mim; não quer dizer que as
circunstâncias não tenham sido diversas das esperadas por mim, mas a substância
nunca me decepcionou, e, em geral, foi além de minha expectativa.
Como filhos de Nossa Senhora,
nós temos o direito de esperar o impossível, e nós temos o direito de exigir
que da nossa ação brote o impossível.
Devemos agir imperativamente,
sabendo que aquilo vai dar certo.
Uma provação na linha do desânimo: uma cisão na Ação Universitária
Católica
Lembro-me da primeira provação
séria que eu tive a esse respeito, a qual me causou uma perturbação tremenda.
Eu tinha uns vinte anos quando
consegui aglutinar alguns companheiros de faculdade, para fundar o primeiro
núcleo de católicos na Faculdade de Direito. Isto parecia uma coisa
completamente impossível.
Eu não sabia como, no interior
de minha alma, dar graças a Nossa Senhora pelo que estava acontecendo,
sobretudo por prever ser este o primeiro movimento de “chama” em torno do
enorme “pavio” que se acenderia.
Pois bem, pode-se imaginar o
meu estado de espírito quando nesse embrião da Ação Universitária Católica,
contra toda a minha expectativa, arrebentou uma cisão interna, promovida por um
indivíduo que queria uma forma de apostolado completamente heresia-branca3.
Eu pensei: “Como? Uma cisão
entre católicos? Mas que monstruosidade é esta?”
Certo dia, indo para uma
reunião, onde esta cisão deveria liquidar-se, eu estava andando de bonde no
Viaduto do Chá, quase só, e ruminando aquela história, com uma pavorosa
tentação de desânimo...
Mas, eu senti em mim o que Abbé
Saint Laurent chama no Livro da Confiança a voz sobrenatural de Cristo, voz
sobrenatural da graça, que murmurava em minha alma palavras de doçura e de paz.
Eu pensei então:
“Eu não vou prestar atenção
nisto e vou caminhar de olhos fechados em cima desta coisa! Aconteça o que
acontecer, eu vou andar para a frente!”
Foi a primeira prova, muitas
assim vieram depois.
Todos passarão por
circunstâncias onde a voz da Confiança parecerá ter mentido. Não acreditemos,
pois ela nunca mente, e sempre acaba realizando o que prometeu.
Plinio Correa de Oliveira – Extraído
de conferência de 3/8/1968
1) Palavra criada por Dr.
Plinio para exprimir algo medíocre, mesquinho.
2) Cfr. Dr. Plinio nº 129,
p.25.
3) Expressão metafórica criada
por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na
piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles,
medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique
esplendor.