Que Senhora tão linda!
Fátima difunde
uma luz sobrenatural que arrebatou os pequenos pastores de forma irresistível,
e ilumina o coração dos peregrinos que acorrem a esse lugar sagrado à procura
de consolação.
Quem chega a Fátima pela cômoda e segura autopista que
rasga a Serra d’Aire, perde o contato com uma realidade que há 96 anos se
repete invariavelmente, por ocasião das comemorações das aparições: numerosos
grupos de peregrinos percorrendo a pé os caminhos e estradas que conduzem à
Cova da Iria, o local onde a Mãe de Deus apareceu, em 1917.
É um contraste tão marcante com os costumes e a
mentalidade consumista de nossa época, toda ela voltada para a fruição fácil da
vida, que não há como ignorá-lo. O que atrai para Fátima essas multidões de
rosto crestado pelo sol das longas caminhadas? O que as leva a essas
surpreendentes penitências, neste tempo tão avesso ao sacrifício?
O
maravilhamento causado pelas aparições
Uma rápida recordação de alguns aspectos pouco
ressaltados das aparições pode ser elucidativa.
Ao verem a Santíssima Virgem, a 13 de maio, a reação
das três crianças, Lúcia, Francisco e Jacinta, apesar da diferença de
temperamentos, teve um ponto em comum. Todas ficaram maravilhadas, quase se
diria fascinadas, com a visão celestial. Durante o resto do dia não falavam de
outro assunto, encantadas com o que tinham visto e ouvido.
Mas, quando o sol declinou no horizonte, anunciando a
hora de reunir o rebanho e voltar para casa, retornando à realidade do
dia-a-dia, cada um reagiu a seu modo. Francisco, mais pensativo, nada dizia.
Lúcia, um pouco mais velha que seus primos, já cogitava na reação de seus
familiares e vizinhos e achou mais prudente guardar segredo de tudo. Porém,
Jacinta, mais expansiva, não conseguia conter dentro de si a alegria
sobrenatural que a inundava e não parava de exclamar: “Ai, que Senhora tão
linda! Ai, que Senhora tão bonita!”
Um
segredo impossível de guardar
Enquanto caminhavam, Lúcia procurava convencê-la a
manter tudo em segredo:
— Estou mesmo a ver que ainda vais dizer a alguém...
— Não digo, não.
— Nem sequer à tua mãe.
— Não vou contar nada, prometo.
Quando chegaram à casa, os pais ainda não tinham
regressado da feira, numa localidade próxima. Jacinta ficou junto ao portão, à
espera, e assim que viu a mãe, correu a abraçá-la para contar-lhe o grande
acontecimento:
— Ó mãe, vi hoje, na Cova da Iria, Nossa Senhora!
Dª Olímpia não acreditou, por mais que a menina o
reafirmasse com veemência e fizesse a descrição minuciosa e maravilhada do
ocorrido. Mais tarde, estando toda a família sentada à lareira para o jantar,
Dª Olímpia, cuja incredulidade já vacilava ante a firme insistência da filha,
perguntou-lhe:
— Ó Jacinta, conta lá como foi isso de Nossa Senhora
na Cova da Iria.
“Uma
Senhora mais brilhante que o sol”
E a inocente pastorinha tentou traduzir em palavras
aquilo que transbordava do seu coração: “Era
uma Senhora tão linda, tão bonita!... Tinha um vestido branco, e um cordão de
oiro ao pescoço até ao peito... A cabeça estava coberta por um manto branco,
também, muito branco, não sei, mas mais branco que o leite... e tapava-a até
aos pés... Era todo bordado de oiro... Ai que bonito!... Tinha as mãos juntas,
assim — e a pequena levantava-se do banquito, juntava as mãos à altura do peito
a imitar a visão.
“Entre os
dedos tinha as contas. Ai que lindo tercinho que Ela tinha... todo de oiro,
brilhante, como as estrelas da noite, e um crucifixo que luzia... que luzia...
Ai que linda Senhora! Falou muito com a Lúcia, mas nunca falou comigo, nem com
o Francisco... Eu ouvia tudo o que elas diziam... Ó mãe, é preciso rezar o
terço todos os dias... A Senhora disse isso à Lúcia. E disse também que nos
levava todos três para o Céu, a Lúcia, o Francisco e mais eu... (...) Quando
Ela entrou pelo Céu dentro, parece que as portas se fecharam com tanta pressa
que até os pés iam ficando de fora entalados... Era tão lindo o Céu!... Havia
lá tantas rosas-albardeiras!...” (1)
Muitos anos depois, Lúcia faria uma descrição mais
ponderada dessa “linda Senhora” que tanto arrebatara Jacinta:
“Uma Senhora,
vestida toda de branco, mais brilhante que o sol, espargindo luz mais clara e
intensa que um copo de cristal cheio d’água cristalina, atravessado pelos raios
do sol mais ardente. Estávamos tão perto, que ficávamos dentro da luz que A
cercava, ou que Ela espargia.” (2)
Envoltos
pela luz divina
Desde o primeiro momento, brilha em Fátima uma luz
sobrenatural de beleza indizível que arrebata os pequenos pastores. Tudo quanto
a “linda Senhora” lhes pede, eles aceitam
com entusiasmo e sem titubear: oferecer sacrifícios pela conversão dos
pecadores, reparar o Imaculado Coração de Maria pelas ofensas sofridas, guardar
o segredo que a Senhora lhes contou, rezar o terço todos os dias pela paz. Até
a morte as crianças estão dispostas a enfrentar para fazer a vontade de Nossa
Senhora.
Em certo momento da aparição, os pastorinhos são
envolvidos ou penetrados por uma luz emanada das mãos virginais de Maria, que
Lúcia assim descreve: “Abriu pela
primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, como que reflexo que
delas expedia, que nos penetrava no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-nos
ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente que nos vemos no
melhor dos espelhos” (3).
Essa luz que penetrou no íntimo das almas das crianças
parece ter sido como que um flash da luz de Deus, que lhes fez experimentar
algo da felicidade celestial. “Nela nos
víamos como que submergidos em Deus” (4). Isso lhes deu o ânimo necessário
para enfrentar todas as adversidades e cumprir sua vocação, oferecendo a vida
pela conversão dos pecadores.
“Foi uma graça
que nos marcou para sempre na esfera do sobrenatural” — afirmou muitos anos
depois a Irmã Lúcia.
Os Beatos Jacinta e Francisco morreriam pouco após as
aparições. A Irmã Lúcia entraria para o Carmelo de Coimbra, onde terminaria
exemplarmente sua existência, aos 97 anos, iluminada ainda por essa luz
sobrenatural. Em seu último livro, “Como vejo a mensagem”, confessa ela esse
maravilhamento interior que dominou toda a sua vida: “Ao ver ali uma Senhora tão linda, que me diz ser do Céu, senti uma
alegria tão íntima que me encheu de confiança e amor; parecia-me que já nada me
podia separar desta Senhora…”
Luz
que dissipa as trevas da incredulidade
As graças extraordinárias concedidas pela Santíssima
Virgem aos pastorinhos, e que operaram neles uma transformação tão profunda que
os elevou aos altos píncaros da santidade, pode-se dizer que foram uma primeira
realização do triunfo do Imaculado Coração de Maria. Esse triunfo, porém, Nossa
Senhora o anunciou para o mundo inteiro: “Por
fim, o meu Imaculado Coração triunfará. (...) E será concedido ao mundo algum
tempo de paz”. A intensa luz sobrenatural que envolveu num primeiro momento
os pastorinhos, virá a iluminar toda a terra, arrebatando as almas por sua
beleza e originando assim uma nova primavera da fé.
Foi o que muito oportunamente ressaltou, por outras
palavras, Dom António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, na comemoração do
centenário do nascimento da Irmã Lúcia: “Eis,
pois, a grande missão confiada à Igreja: fazer resplandecer a beleza do rosto
de Deus em Cristo, manso e humilde de coração, num mundo que tanta dificuldade
tem em compreendê-lo, e despertar a dimensão mística da fé para lhe dar calor e
alegria”.
Promessa
de auxílio maternal
Talvez sem o perceber, muitos dos que vão a Fátima, em
peregrinação e com espírito de penitência, acorrem à procura dessa luz
sobrenatural que os conforte nas adversidades, os fortaleça a fé, lhes dê essa
alegria contagiante que fazia a pequena Jacinta exclamar de júbilo: “Ai, que
Senhora tão linda!” E se tantos retornam a esse lugar sagrado é porque algum
fulgor dessa luz divina penetrou as suas almas e lhes promete assisti-los ao
longo da vida, tal como Nossa Senhora o fez à Irmã Lúcia, ao lhe dizer que
ficaria ainda algum tempo aqui na terra: “Não desanimes. Eu nunca te deixarei.
O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até
Deus”.²