Não
se tratava de um magnífico palácio o local onde Se encontrava Maria Santíssima
ao ser visitada pelo Arcanjo São Gabriel, como tantos artistas imaginaram, mas
de uma casa muito modesta, com paredes de tijolos aparentes. Estava situada em
Nazaré, uma cidade então insignificante, na qual a Sagrada Família viverá na
pobreza, humildade e apagamento.
Não
há neste episódio outros elementos cujas aparências estejam à altura do
acontecimento que ali se daria, a não ser a presença da Virgem Maria, e também
a de São José. Pois o elevadíssimo grau de santidade de ambos certamente
transluzia em seus gestos, fisionomias e em todo o seu modo de ser.
O
que fazia Maria Santíssima quando o anjo chegou junto a Ela? Sem dúvida,
rezava, talvez considerando a desastrosa situação na qual se encontrava a
humanidade. O povo judeu havia se desviado da prática da verdadeira religião e
os pagãos, a começar pelos romanos, viviam numa tremenda decadência moral.
Chegara-se ao que São Paulo chama “plenitude dos tempos” (Ef 1, 10).
Ao
ver iluminar-se o aposento por uma luz sobrenatural e aparecer diante d’Ela o
Arcanjo São Gabriel, Maria não deu o menor sinal de espanto. Segundo vários
autores, entre eles São Pedro Crisólogo e São Boaventura, Ela estava “habituada
às aparições angélicas, as quais não podiam deixar de ser frequentes para
Aquela que Deus havia cumulado de tantas graças, que reservava para tão altos
destinos, e que os anjos reverenciavam como sua Rainha e a própria Mãe de
Deus”.6 Podemos, inclusive, conjecturar que o próprio São Gabriel não Lhe fosse
desconhecido.
Quando
o anjo A proclama “cheia de graça”, indica estar sua alma participando da vida
divina no maior grau possível naquele instante; mas um minuto depois essa
plenitude já seria maior.
A
presença de São Gabriel não Lhe causou qualquer perturbação. Sua saudação,
porém, deixou-A com um ponto de interrogação, pois não podia imaginar que
aquelas palavras pudessem ser aplicadas a Ela. Conforme esclarece São Tomás: “A
Bem-aventurada Virgem tinha uma fé expressa na Encarnação futura: mas, por ser
humilde, não tinha tão alta ideia de Si mesma. E por isso era preciso que fosse
informada a respeito da Encarnação”.
[…]Ela
não duvida das palavras de São Gabriel. Apenas apresenta-lhe sua perplexidade,
visando conhecer mais a fundo como haveria de concretizar-se o desígnio divino.
A
origem inteiramente sobrenatural do Verbo Encarnado foi revelada naquele
momento. Que considerações não deve ter feito Maria ao conhecer o alcance desse
acontecimento!
E
quando a Virgem Maria disse: “Eis aqui a serva do Senhor”, o fez com total
consciência, colocando-Se por inteiro nas mãos de Deus, com absoluta confiança
na sua liberalidade.
A
partir desse ato de radical aceitação, todo ele feito de humildade e de fé, operou-se
logo em seguida a concepção do Verbo Encarnado no seu seio virginal.
Logo
após o consentimento da Virgem — “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em Mim
segundo a tua palavra” —, o Espírito Santo iniciou n’Ela o processo de gestação
do Verbo Encarnado. Ela tornou-Se Mãe sem concurso de pai natural.
O
grandioso plano da Encarnação e da Redenção do gênero humano esteve na
dependência desse fiat de Maria, porque se, por uma hipótese absurda, Ela não
tivesse aceitado, não teria havido a Redenção.
Mons
João Clá Dias – Texto extraído do O inédito sobre os Evangelhos vol VII