sexta-feira, 1 de junho de 2012

A Virgem Maria: Perpétuo tabernáculo da Eucaristia

Será descabido considerar que as Sagradas Espécies permaneceram inalteradas em Maria Santíssima desde que, na Última Ceia, as recebera pela primeira vez?
Desde o início da vida pública de Jesus Cristo, a Virgem Santíssima ardia em desejo de que seu Filho instituísse, o quanto antes, o Sacramento da Eucaristia, o qual seguramente já Lhe tinha sido revelado. As bodas de Caná pareceram-Lhe ocasião apropriada para isto e, assim, quando o vinho veio a faltar, Maria dirigiu-Se aos criados e ordenou-lhes: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo 2, 5).1
Mas, ainda não era o momento: “Mulher, minha hora ainda não chegou” (Jo 2, 4) — respondeu Jesus. Somente três anos mais tarde, na véspera de Sua Paixão, Nosso Senhor iria dar à Sua Mãe esse celeste alimento.
Paraíso terrestre do novo Adão
Quão dura deve ter sido a espera de Nossa Senhora até poder receber as Sagradas Espécies! Todavia, o Filho também não via chegar o instante de retornar a esse materno e santíssimo claustro, que foi durante nove meses Sua puríssima mansão. Pois afirma São Luís Maria Grignion de Montfort: “Digo com os santos que Maria Santíssima é o paraíso terrestre do novo Adão, no qual este se encarnou por obra do Espírito Santo, para aí operar maravilhas incomparáveis. É o grande e o divino mundo de Deus, onde há belezas e tesouros inefáveis”.2
Com efeito, Deus deu para Adão o Éden, onde grassa todo gênero de maravilhas: flores e plantas aromáticas, animais, pedras preciosas... Para os santos e bem-aventurados, reservou um lugar tão superior em natureza a este mundo que foi chamado de Céu Empíreo, isto é, “de fogo”. E, para Si, criou um Paraíso tão sublime e atraente que torna os outros meras prefiguras: Maria Santíssima.3
Assim, como veremos a seguir, quando Nossa Senhora acolheu em seu interior o adorabilíssimo Filho sob as Espécies Eucarísticas pela primeira vez, estas não se desfizeram mais dentro dEla.
Permanência miraculosa das Sagradas Espécies
As Sagradas Espécies são, pela própria natureza de sua matéria, tão corruptíveis e passíveis de deterioração como o pão e o vinho comuns.
Na hora da Comunhão, elas “se desfazem pouco tempo após terem sido recebidas, cessando nelas a presença de Cristo”. Mas, como afirma o padre Gregorio Alastruey no seu conceituado Tratado de la Virgen Santísima, fora deste modo ordinário e comum, “pode existir um outro modo miraculoso e singular, pelo qual se mantenham incorruptas as Sagradas Espécies, continuando Cristo a estar presente no comungante”.4
Assim acontecia, por exemplo, com Santo Antônio Maria Claret, em cuja autobiografia lemos: “No dia 26 de agosto de 1861, enquanto rezava na igreja do Rosário, na Granja, às dezenove horas, o Senhor concedeu-me a grande graça da conservação das Espécies Sacramentais e de ter sempre, dia e noite, o Santíssimo Sacramento no peito”.5
Graça singular e adequada para a Mãe de Deus
Ora, ensina a Igreja que Cristo cumulou Sua Mãe, “mais do que a todos os Anjos e a todos os Santos, da abundância de todos os dons celestes, tirados do tesouro da sua Divindade”.6 Porque, como afirma Alastruey: “todo tipo de graça que se concedeu a outros de forma fragmentada e incompleta, foi dado à Bem-aventurada Virgem em conjunto e de modo perfeito, como convinha à Mãe de Deus, a fim de que estivesse ornada de toda a formosura das graças e dos dons concedidos aos outros justos”.7
A isto se acrescenta que, tendo sido Maria constituída, por livre disposição de Deus, “Dispensadora univesal de todas as graças que se concederam ou se concederão aos homens até o fim dos séculos”,8 convinha a Ela possuir todos os dons que Ela mesma haveria de distribuir aos homens.
Assim, se grandes heróis da virtude, como o fundador dos Claretianos, foram favorecidos com a permanência de Jesus Eucarístico no seu peito, não poderia Nossa Senhora ter deixado de receber em grau sumo graça tão singular e tão adequada para a Mãe de Deus.
Será, então, descabido considerar que as Sagradas Espécies permaneceram inalteradas em Maria Santíssima, desde o momento em que, na Última Ceia, as recebera pela primeira vez até a hora da Assunção?
A piedade e a razão levam-nos a pensar que não. Antes, cremos que o título de “Perpétuo tabernáculo da Eucaristia” em nada contradiz, e até completa, as belas expressões de louvor usadas pelo Servo de Deus João Paulo II: “Mulher eucarística” e “Primeiro sacrário da História”.9
* * *
Uma consideração final. Discutem os teólogos se Maria conservou a presença das Sagradas Espécies no Céu, depois da Assunção. O assunto é cativante, mas expô-lo exigiria entrar em considerações sobre o Céu e os corpos gloriosos que fogem da matéria de hoje.
Deixemo-las para um próximo artigo e fiquemos, por enquanto, com esta “ponta de trilho” levantada pelo padre Gregorio Alastruey: “Não se pode negar a possibilidade de as Espécies Sacramentais permanecerem incorruptas no peito da Virgem Mãe de Deus, seja enquanto viveu na terra, seja no Céu; porque se Deus pode impedir que os agentes naturais externos alterem e corrompam as Espécies Eucarísticas, do mesmo modo pode preservá-las da corrupção que se segue ao influxo dos humores internos, necessários para a ação digestiva; argumento que tem seu máximo valor quando aplicado à vida do Céu, onde, pelo estado dos corpos gloriosos devem excluir-se ou ordenar-se de outro modo certas funções vitais que procedem da alma no seu grau inferior ou mais vegetativo”.10
1 Cf. ALASTRUEY, Gregorio. Tratado de la Virgen Santísima. Madrid: BAC, 1956, p. 680-681.
2 MONTFORT, São Luís Maria Grignion de. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. 32. ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 19.
3 Cf. MONTFORT, Op. Cit., p. 19-20.
4 ALASTRUEY, Op. Cit., p. 687.
5 Apud: CONTRERAS MOLINA, Francisco. San Antonio María Claret: La palabra hecha vida y misión. Madrid: BAC, 2008. (C. IV. N. 4).
6 PIO IX, Ineffabilis Deus, n. 2.
7 ALASTRUEY, Op. cit., p. 342.
8 ROYO MARÍN, OP, Antonio. La Virgen Maria: Teologia y espiritualidad marianas. 2. ed. Madrid: BAC, 1997, p. 194.
9 JOÃO PAULO II. Ecclesia de Eucharistia. n. 53 e 55.
10 ALASTRUEY, Op. cit., p. 688.