O paraíso terrestre era cheio de encantos, delícias, perfeições. São Luís Grignion diz que Nosso Senhor estava no ventre puríssimo de Maria Santíssima de modo análogo àquele — excelente e perfeito — com que Adão permanecia no Éden. Portanto, durante a gestação, Nossa Senhora era o paraíso do novo Adão, Jesus Cristo.
Quando, na comunhão, recebemos este mesmo Jesus Cristo acostumado que está a tais paraísos, perguntamo-nos o que Ele achará da nossa hospitalidade? Oferecemos-Lhe ao menos, a Ele que condescende em descer à nossa choupana, o modestíssimo luxo de uma casa limpa?
“... no qual Este se encarnou por obra do Espírito Santo, para aí operar maravilhas incompreensíveis...”
Nosso Senhor, durante sua vida em Maria Santíssima — e esta é uma belíssima idéia que São Luís Grignion desenvolverá mais tarde —, quando Ela era o tabernáculo no qual Ele habitava, já aí operou maravilhas. São Luís Grignion compôs inclusive uma oração dirigida a Nosso Senhor enquanto vivendo em Maria Santíssima — O Jesu, vivens in Maria...
“É o grande, o divino mundo de Deus, onde há belezas e tesouros inefáveis.
Oh! que grandes coisas e escondidas Deus todo-poderoso realizou nesta criatura admirável, di-lo Ela mesma, como obrigada, apesar de sua humildade profunda: ‘Fecit mihi magna qui potens est’ (Lc 1, 49).
O sentido inteiro do cântico do Magnificat só o entenderemos se considerarmos quem é Nossa Senhora. Realmente, é preciso nos lembrarmos do poder de Deus, para compreender que Ele possa ter operado essas maravilhas que n’Ela operou.
“O mundo desconhece estas coisas porque é inapto e indigno.”
Se antes o Santo nos falou que Deus concede a pessoas privilegiadas o favor único de poder penetrar nos umbrais desta devoção, agora se refere a uma geração (no sentido teológico e não biológico) que por sua maldade, impureza, indignidade, detesta tudo isto. É o reverso da medalha.
A devoção mariana é característica de todos os santos
Afirma São Luís: “Os santos disseram coisas admiráveis desta cidade santa de Deus; e nunca foram tão eloqüentes nem mais felizes — eles o confessam — que ao tomá-La como tema de suas palavras e de seus escritos” (nº 7).
Esse trecho nos evidencia uma verdade muito importante. Não se deve pensar que a devoção a Nossa Senhora é um estilo de santidade inaugurado por São Luís Grignion, ou levado por ele ao último grau de intensidade. A devoção especialíssima e intensíssima a Nossa Senhora é característica de todos os santos. E, embora não se possa dizer que todos a tenham conduzido ao ponto levado por São Luís Maria, estudando a vida de piedade de qualquer deles notamos sempre uma devoção ardentíssima a Ela, a qual é a dominante logo abaixo do culto a Deus Nosso Senhor.
Essa devoção, contudo, se reveste em cada um de aspectos particulares. É raro, neste sentido, encontrar algum santo que não tenha cultivado um aspecto novo de piedade em relação à Nossa Senhora. E nenhum deles desconhece dever à intercessão d’Ela, não só seu progresso espiritual, mas até mesmo sua perseverança. Todos passaram por duras provas espirituais, das quais se viram livres por uma intervenção especial d’Ela.
São Francisco de Sales, por exemplo, teve em sua juventude uma terrível crise, relativa ao problema de sua predestinação. Pensando no assunto, ficou quase tragado pelo abismo do tema e foi duramente assediado pelo demônio, o qual lhe insuflava que estava condenado. Isto lhe causou uma tremenda depressão. Começou a emagrecer, perder a saúde, nada havia que lhe restituísse a paz à alma. Certo dia, rezando diante de uma imagem de Nossa Senhora, pediu-Lhe, ainda que tivesse de ir para o inferno, lhe fosse dado não ofender a Deus na Terra — pois seu pavor do inferno não provinha do tormento, mas da idéia de ultrajar eternamente a Deus — e recitou a oração “Memorare o piíssima Virgo Maria” ( Lembrai-Vos), a qual estava escrita no pedestal da imagem. Ele mesmo nos conta que, logo após o término da oração, restabeleceu-se em sua alma uma paz admirável; percebeu então, claramente, o jogo do demônio de que estava sendo vítima, e recuperou aquela serenidade que viria a ser a nota dominante de sua vida espiritual.
Encontramos, assim, na existência de todos os santos, esta constante de uma particular devoção a Nossa Senhora. Ela é, pois, uma característica segura da verdadeira piedade, e devemos absolutamente duvidar da santidade de alguém que não a possua.
Seria sofisma dizer: algo que é especial para todos não o será, por isso, para ninguém. A isto se pode responder: uma mãe com muitos filhos tem, para cada um deles, um carinho especial; e cada filho ama a própria mãe de um modo particular. Assim, cada um de nós deve amar Nossa Senhora de maneira inteiramente própria, especial e inconfundível. Ela, por sua vez, terá para conosco um carinho, que não será genérico, como de quem dissesse: “Eu amo toda aquela gente”; mas sim um afeto particular, que pousará sobre cada um de nós, individualmente considerados, como se só nós existíssemos na face da Terra.