quarta-feira, 18 de maio de 2011

A vida e as cogitações de Nossa Senhora em Nazaré

Nossa Senhora guardou as promessas do Anjo no interior de sua alma, e ao ver o Menino Jesus, segundo expressões do próprio Evangelho, crescer em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens, naturalmente pensava na missão que Lhe estava reservada.
Sabendo que seu Filho era Deus, Nossa Senhora julgava explicável que Ele obtivesse os êxitos mais retumbantes e extraordinários. E terá Ela pensado, ao ver Jesus se tornar moço, que em certo momento Ele sairia da casa paterna para dar cumprimento à sua missão?
Porém, essa hora ainda demoraria a chegar. Durante trinta anos, Ele quis viver apenas com Ela e São José. Ao que tudo indica, o chefe da Sagrada Família faleceu antes de Nosso Senhor começar sua vida pública. A tradição nos atesta que Nossa Senhora e Jesus estavam presentes à cabeceira de São José no momento de ele exalar seu derradeiro suspiro: razão pela qual, o grande Patriarca é também o padroeiro da boa morte.
Como gostaríamos de assistir essa cena! Um leito pobre, Nossa Senhora de um lado, e de outro, Nosso Senhor, atraindo para Si a atenção de Maria e a do moribundo, aos quais dirigia sublimes palavras de conforto. Nossa Senhora, com sua insondável solicitude, servia a São José, orando por ele e também o consolando... Que revoada de Anjos!
Em certo momento, as sombras da morte se tornam mais próximas. São José começa a notar que aquele convívio, para ele até certo ponto um Céu, iria cessar. Mas, de outro lado, sabia que lhe aguardava uma gratíssima missão: chegando ao Limbo dos Patriarcas, anunciaria que o Messias se tinha encarnado no seio da Virgem Maria. Provavelmente, só com a menção dos nomes de Jesus e de Maria aquele lugar inteiro se teria iluminado...
Após a morte de São José, Nossa Senhora terá pensado a respeito de Jesus:
“Quando começará Ele sua vida pública, e cessará nosso convívio? Com quem ficarei? Que notícias terei d’Ele? Quando terá início o seu Reino? Assistirei a implantação dele, estando ainda na Terra ou já no Céu?
“Inúmeras vezes, conversando com Ele, notei que sua fisionomia foi se tornando mais tristonha. E na medida em que a tristeza pode ser comparada a uma sombra, foi se tornando sombria. Ele me tem falado de um imenso sacrifício que deve padecer. Sei que é a morte de Cruz, à qual se referem as Escrituras, e que Ele mesmo já me anunciou. Vejo-me, de um lado, cercada de esplendor, e de outro, da perspectiva do fracasso tenebroso.”
 Passam-se os dias, os meses e os anos... Trinta anos viveu Jesus sob o mesmo teto com Ela, adornando sua alma com maravilhas cada vez maiores.
Um dia — pode-se conjeturar — Ele se aproxima d’Ela e, com veneração e carinho ainda mais intensos, envolvendo-A com o olhar, Lhe diz: “Minha Mãe, chegou o momento!”
Talvez tivesse dito isso com um sorriso cheio de saudades, mas saudades antecipadas, cheias de sorriso. Era a missão d’Ele que ia começar e desfecharia na sua glória.
Ele sabia que, essencialmente, caminharia em direção à Cruz. Mas nesse percurso recrutaria os Apóstolos, os discípulos e todos os elementos da Igreja nascente. Pregaria durante três anos sua maravilhosa doutrina, praticaria milagres que haveriam de impressionar e persuadir o mundo inteiro, fundaria a Igreja, instituiria os Sacramentos. E depois morreria...
O que Mãe e Filho se terão dito nessa despedida? Terá sido uma surpresa que durou um minuto? Ou Ele A avisou com um mês de antecedência?
Nessa hipótese, para Nossa Senhora esse mês terá parecido um minuto, porque Ela quisera uma despedida muito mais prolongada?
São maravilhas que nos serão reveladas no Céu, e diante das quais não teremos palavras para manifestar nossa veneração e adoração.
Após Nosso Senhor ter iniciado sua vida pública, Nossa Senhora é procurada pelas santas mulheres e se incorpora a essa família de almas cujos cuidados Jesus Lhe confia.
“Conversas” de Nossa Senhora com o Espírito Santo
Todas essas considerações nos parecem de extrema beleza. Porém, como são restritas diante de realidades ainda mais altas!
Sabemos, por exemplo, que Nossa Senhora é a Esposa do Divino Espírito Santo. Quantas graças a Terceira Pessoa da Santíssima Trinidade Lhe concedia, para que conhecesse e meditasse em tudo quanto acontecia?
Quantas perguntas não terá feito ao Divino Consorte, dirigindo-se a Ele com as palavras: “Meu Rei, meu Senhor e meu Esposo”?
Se o relacionamento d’Ela com seu marido segundo a lei, São José, era tão bonito e tocante, como não terá sido com o Divino Espírito Santo?
Por exemplo, no momento da Encarnação, Ele se tornou Esposo d’Ela. Ora, no ato dos desponsórios, o homem oferece à sua mulher um presente magnífico. Que dádiva extraordinária o Divino Espírito Santo terá concedido a Maria? Que graças? Que esplendores? Tal escapa à nossa pobre imaginação...
Esperanças e apreensões de Nossa Senhora
Durante a vida pública, ao contemplar as pregações e milagres de Nosso Senhor, parecia a Nossa Senhora que a promessa da glória estava se realizando. Mas, de outro lado, com seu discernimento dos espíritos incomparável, Maria Santíssima percebia que Satanás rondava pelo ambiente, e sentia o ódio que ele incutia em algumas almas.
Pensemos noutra circunstância. Como diz São Tomás de Aquino em seu belíssimo hino eucarístico Lauda Sion: In suprema nocte cenæ, na última noite da ceia, véspera da Paixão, recumbens cum fratribus, estando sentado com os irmãos, que são os Apóstolos, Nosso Senhor celebrou a primeira Missa.
Provavelmente, Nossa Senhora se encontrava no Cenáculo, e recebeu também a Comunhão. Que maravilha não terá sido a Primeira Comunhão de Nossa Senhora! Mas, Ela ouviu igualmente a terrível profecia: “Um de vós há de Me trair”. Viu Judas sair de modo apressado do Cenáculo, com essa intenção. O Evangelho narra a cena de modo tocante, com palavras que têm um caráter muito simbólico: “Fora, era noite...”
Ela viu Nosso Senhor sair em seguida. Talvez Ele tenha se despedido d’Ela. Ter-Lhe-á dito que era chegada sua hora, ou A deixou na dúvida?
Ele e os discípulos se retiraram depois de terem cantado um hino pascal, e penetraram naquela mesma noite, na qual ecoavam os passos de Judas.
O que terá acontecido com Nossa Senhora nos instantes seguintes?
Provavelmente, o fundo de quadro da meditação d’Ela eram as promessas de triunfo recebidas na Anunciação.
Porém, havia o preço da glória, não mencionado pelo Arcanjo naquele jubiloso encontro, e esse preço era a dor.
Pensemos, então, na Virgem Dolorosa, na hora mais terrível da Paixão, no meu entender o momento em que Nosso Senhor exclamou em altos brados: “Meu Pai, Meu Pai, por que Me abandonastes?”
É um brado de sofrimento e de dilaceração, mas são também as palavras iniciais de um Salmo cujo triunfante tom final parece prenunciar a Ressurreição.
Que sentimentos terão ido na alma santíssima de Maria, ao ouvir esse clamor de Jesus?
Por outra parte, Ela vislumbrou, antes da morte d’Ele, o primeiro clarão de alegria, quando O ouviu dizer ao bom ladrão: “Hoje estarás comigo no Paraíso”.
Essa afirmação significava que Nosso Senhor nunca perdeu de vistas, mesmo em meio às dores mais lancinantes, que Ele estava assim abrindo para a humanidade as portas do Céu.
As promessas divinas se realizam em meio a aparentes desmentidos
Das presentes reflexões nos é dado tirar uma conclusão que pode ser resumida em poucas palavras.
Com a Anunciação, foi comunicada a Nossa Senhora, e através d’Ela a todo o gênero humano, a Encarnação do Verbo. Com o seu “Sim!”, o Verbo se fez carne e habitou entre nós.
No dia da Anunciação, a Palavra de Deus raiou num amanhecer de alma repleto de louçania, com promessas superlativas.
Mas se as promessas de Deus suscitam as mais alegres esperanças, elas soem passar também por aparentes e terríveis desmentidos. É o modo de agir da Providência.
Nesse sentido, a Anunciação foi também a proclamação de que a autêntica glória não consiste em não sofrer humilhações e derrotas, mas, sim, em lutar pela Verdade.
A alma santíssima de Nossa Senhora, habituando-se às promessas, às alegrias e aos desmentidos, constitui para os católicos o sublime exemplo de submissão à vontade de Deus, manifestada por Ela, de modo inigualável, no humilde “fiat” que ecoou por toda a sua vida.